quinta-feira, 23 de julho de 2009

Proposta

Hoje não me caso;
mas amanhã me caso, amor.
E aí? O que vai ser de nós dois?

Se você não quer se casar,
me caso depois, amor.
Me caso depois com outro amor
depois do amor.
Depois do amor, nosso amor se foi.

Amor, por que deixar pra depois?
Tenho casa, mobília e algum trocado no bolso.
Tenho passagens para uma linda viagem.
Nos casemos amanhã, bem cedo,
enquanto ainda nosso amor não se foi.

Hoje não me caso;
mas amanhã me caso, amor.
E aí? O que vai ser de nós dois?

terça-feira, 7 de julho de 2009

A Heloísa Caldas

Assepsia 2

6.

Na geometria pálida do mármore.
No silêncio do oblíquo metal da faca.
Na dureza impenetrável da pedra
branca
sem nada dizer
quieta
o vermelho segue inexoravelmente,
lentamente segue e ganhando vai o horizontal.

Que quebra. Se precipita. No sexto andar.
Em outra reta.
Reta feita de queda,
de grito no ar
e silêncio no chão.
Do filete vermelho o silêncio
no branco azulejo
onde pinga (sem pressa alguma;
para onde ir?)
segundos vermelhos.

Que enche as valas dos azulejos,
que completa seus quadrados
e sem forma se forma
em qualquer parte do espaço.

Tomando a planície surda do chão do apartamento,
inventariando os vãos nunca encontrados,
violentado o inviolável do cimento
e morrendo na inflexível parede dura
que emoldura inflexivelmente o retrato.

Ele expande a impossível concessão
que se expande pelo chão,
além da sala, do quarto,
relógio e metro quadrado, vai

Pela frecha da porta fechada do corpo vazado
sai.
Pela frecha do corpo vazado da porta fechada
cai.
Pelo corpo da frecha da porta vazada e fechada, cai
vermelho,
esvai.

Para outros mundos?
Não se sabe ainda.
Todavia vai.


5.

No corredor.
No corredor escuro.
No corredor escuro corre ainda.
No corredor escuro corre ainda espesso.
No corredor escuro corre ainda o espesso fluido.
No corredor escuro corre ainda o espesso espelho fluido de cor
de amor?
de terror?

O vermelho fluido corre escuro ainda espesso pelo vermelho
[corredor espelhado.
E desce as escadas sólidas.
Glórias e desgraças
descem.

* * *


Encontram-se no teto de baixo o chão de cima
e no teto em cima está o chão de baixo.
Em cima televisão, sofá e contrabaixo.
E ao lado cegos móveis presenciam a chacina

na tela que os belos jovens não vêem (mas fascina),
pois tão inteiros estão aos seus beijos e abraços
apertados quanto o grande horror consumado
da carnificina que na tela declina.

Mas fazem juras de amor e pobre poesia,
vai, escorre como os corpos assassinados
na tevê que não vê os verdadeiros culpados.

Aí, libidinoso, o líquido de anuncia.
E entra nos cantos santos da casa, da vagina.
E a brutal crueldade cessa e deixa despojos,

que vacila no chão num conluio de amor e ódio,
que se conclui contrabaixo do teto acima,
que é marcação de chão, de líquidos, de sina.


4.

O vermelho segue seu fluxo
pelo escuro corredor.
O corredor transporta segredos e mantimentos.
O corredor suspira um ar oco e vazio.
Um ar calado.
Conspirador.

O corredor está na Polônia,
na Casa Branca,
nos subterrâneos da Alemanha.
Em Auschwitz havia um imenso corredor.

Cumprirá algum destino?
Haverá alguma saída?
Ou, labiríntico,
gira voltas em si mesmo?
Como dia-a-dia o faz a terra,
sustentando a gravidade impotente
dos toques-toques dos sapatos
que apressam-se para algum lugar.
(Para onde os levam?)
E depois voltam silenciosos, cansados...

E depois são levados
e não voltam mais.

Mas aí vai o vermelho buscando saída,
igualdade e espaço.
Mas aí vai o vermelho buscando vida,
lealdade e laços.

Corredor estreito
vai à direita, à esquerda,
pelas escadas sai,
degrau por bem degrau por mau.
Porém, sisudo e sério, sempre há outro corredor
que o sempre detém.

Não obstante, logo adiante há uma
porta.
Vamos! tenha confiança! ainda há uma porta.
Ali, não muito distante.


* * *

Ele se anuncia. À porta fechada aspiram,
desenhando planos. Num papel indefeso,
apontam com pontos, cruzes aqueles que são
alvos certeiros e, por certo, herdeiros do erro.

Do medo são herdeiros os acertos em questão,
onde tensão é coragem e desespero
calculado como toda rima com marcação,
sensatas linhas medo que se fazem meio.

No meio da sala, vê-se uma maleta preta.
Estaria nela a origem e o fim do conflito?
Levaria ela o santo sangue de Jesus Cristo?

Houve-se os pingos dos segundos na saleta.
A negociação prossegue letra por letra.
E a maleta conspira um desejo explosivo.


3.

Ganha de novo o corredor
que lentamente vai
cedendo ao vermelho.

O corredor da luz à cor
que sai do calor do corpo
e, buscando um mundo novo,
sai errante como uma jovem borboleta
que erra nos seus primeiro voos
flertando com os aromas das cores,
flutuando nos suspiros dos amores.

Mas o velho e longo corredor,
seguro de si e de suas andanças,
mostra o caminho correto
de toda ingênua e inquieta cor.

Mas um dia o corredor acaba,
desaba na escada.
E depois da escada
outro amor.

* * *


Há nove meses atrás a magia se fez
no seu corpo acolhedor de efluivos do amor.
E agora ao romper a crisálida vem a dor
do prazer primaveril e cortês.

Há nove anos atrás a poesia que se fez
escorria molhada nos lábios, desabrochou
inquieta; mas tudo bem, era flor.
A mais bela do campo, do dia e do mês.

Há nove minutos atrás - sorria! - se fez
o que se fez em nove meses e depois
de nove primaveras, espera que se foi.

Vem ali, apressado, edifício trinta e três.
O mesmo das estrofes que, enfim, já cantei.
E chorando vai declamando ao mundo "oi".


2.

O corredor não tem sentido algum.
Quem o dá
é cada um.

O corredor não tem sentido algum.
Quem o sente
é cada um.

O corredor algum sentido tem.
Quem o sente
é o presente.

Mas este sumiu,
desapareceu,
desceu as escadas.

E só o futuro o dirá.

Futuro?


* * *

Os anos se levantam da cama e conferem
na alcova o enferrujado tempo da memória.
Mas serena com a comunhão da última hóstia,
prescrita para aquele que quer vida além.

Seis horas, sagrada hora do remédio, amém...
Leva a brisa o crepúsculo e a aurora do dia.
O cosmético tenta embalsamar a alegria,
que se foi, mas não enganam as rugas que os anos trazem.

Eles, os anos, passam brancos pelo espelho.
Ela, a velhinha, rearruma bem seus cabelos.
Eis o mutuo respeito: mudo e comedido.

Vai à cozinha, verifica, tudo limpo.
Porém, havia um tapete meio fora do lugar.
Não o vê: o limpo instante escorrega no ar.


1.

O vermelho marmóreo ergue a lápide
de nossa vida.
Que corre pelo corredor,
que escorrega por lares, portas e escadas
e vai aos lugares nunca habitados, escuros,
obscuros labirintos do mundo.

Sua frieza é fria, fluida e quente.
É assim mesmo:
incoerente.

Ele escoa pela rua, penetra a terra, o asfalto,
a pedra,
o canteiro de qualquer cemitério ou edifício da cidade.

E hoje, neste pequeno instante,
já tênue,
sobe o caule de uma flor
e se transforma em rosa,
de sublimes pétalas, de carne.