sábado, 23 de abril de 2011

Pomba branca


"Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum"
Fernando Pessoa


Ontem eu vi uma ave
que fingia voar.
Mas só havia uma asa.

É esta a cruel indecisão:
a transcendência do ar
ou a imanência do chão.

(Já que também faltava-lhe uma perna,
quem sabe os dois?!...)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Mãe e filho


Nesse dia fazia anos. A educação não nos permite lembrar a sua idade; mas garanto-lhe que já estava na casa dos setenta, pois o cansaço das marcas no rosto não foram feitas para nos enganar - nem a nós e nem aos outros.

Nunca tinha falado sobre o tempo; sempre fora uma mulher de vigor. Entretanto, nesse dia, abandonou seu corpo na cama, como quem deixa um copo com água cair.

- Meu filho, o que será de mim dentro de alguns anos?...

Antes que lhe desse um conforto (desses trapaçeiros, mas sinceramente confortáveis), ela subitamente se levantou.

- Vou fazer um café. Quer?

- Sim, respondi difarçando o choro, já sentindo saudade do cheiroso e fresco café da minha mãe.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Plenilúnio

Nós só vemos o tempo passar
quando a lua, lá longe
se espreguiça languidamente
no horizonte do mar.

E quando atinge a pálida plenitude
a gente bem finge acreditar
em nossa vigorosa infinitude...

Até enfim dormirmos no mar.

domingo, 3 de abril de 2011

A Gustavo, indispensável nos versos e como amigo

À noite, na praia do Flamengo


As pálidas luzes de Niterói, inconsoláveis, enfraqueciam - aos poucos.
Mas a escuridão ia me trazendo (à medida
que relendo via tudo isso) um conforto,
claras lembranças e vagas...
como a impenetrável concha cheia de mar e amor.

Meu corpo, ainda morno
(ausente da assepsia indiferente),
se refrescava sem as sombras dos ventos;
e era leve nas duras e serenamente lapidadas nuvens de areia.

Atrás, os rumos dos carros traziam os rumores - antigos
rumores - da prosperidade.
Entretanto, estava já desatento a tudo aquilo;
vivia, pois, minha última saudade:

A saudade do que ainda não se passou.