terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Pétalas, boca e amor


João ama Maria
que não ama João.
Mas ama muito Elias
que nunca tem decisão.

José ama Joana
que é fria como gelo.
É tanto medo da cama
que parece ir ao enterro.

E o tal do Wanderley
que só ama José.
Se vai querer... não sei...
Não não! Seu negócio é mulher.

Mas no meio disso tudo
há a linda Josefina.
Esta porém só ama Jesus;
este sim, verdadeira sina.

Falta o poderoso Damião
que a todas ama
com seu enorme tesão.
Mas a esposa sempre reclama.

Em meio a tantas pétalas
de bem e mal me quer,
só uma sincera mulher
desabrocha sem pudor.

É ela! A puta que engole
todo desejo de amor.

sábado, 21 de janeiro de 2012



Rua Goindira


1.

Na concreta densidade da laje
perfurada por protuberantes vergalhões corroídos
que furam o ar meio metálico e meio de mato.
Lá no alto desse pórtico
situado num inócuo ponto do vácuo
mas sólido como vigorosas vigas avermelhadas no concreto,
por certo corroído mas antes de tudo
ereto,
dois cães - não de mármore
mas com ossos, salivas e carne -
tomam guarda
daquela comum e singela casa.

E esperam boquiabertos
os ossos de domingo;
do frango assado de domingo
fiado no seu cumpade - bem ali,
logo ali na esquina.


2.

Ao sol de meio-dia
o asfalto é uma chapa de aço
saída da siderurgia
que cruza todo espaço
e curva-se empenando-se sobre as cabeças
faiscando sob o céu e sol.

Mas justamente nessa hora...
Nessa hora de metal,
quando as moscas bailam sobre as mesas
e um cão torpe e esquálido
languidamente lambe as sombras, goteja sem ilusão.

Nessa hora de total preguiça,
mas nem por isso menos irradiante,
nós vemo-los lá longe
ao dobrar da esquina
com mochilas junto às costas
e indecisos futuros à frente
os alunos das três escolas
as quais têm sítio ali.

Alunos do mundo,
alunos de Imbariê.
Alunos do futuro
e do presente viver.


3.

Quinze anos completados
sob a guarda de tais cães,
e se o nome era estrangeiro
o sobrenome dos Santos, bem brasileiro.
Mas que importa!
Esteve em Paris com Flaubert. E Bovary...
Coitada! pensou escutando trotes de pangarés.

Ultimamente um calor no corpo...
Mas não era fora, era no meio.
E o que vinha do meio moldava-lhe
em saltos altos e aos poucos.
Os seios e as faces hexagonais resolviam-se.
Mas ainda não bem sabia pra quê.
Até que uma moto cortou o mundo e seu coração.
Ah...  e ela deslizou seus braços na janela...
Era só mais um menino.
Um belo jovem - quem sabe? - de Imbariê.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Linha Vermelha


1.

Horizontalmente as águas bocejavam
um bafo quente e helicoidal
turvo.
Enquanto uma geladeira derretia no mangue,
uma nave paralizava o azul
e seguia prodigamente seu rumo.

E eu aqui dentro
sentia dentro da gélida esterilidade do ar
o leve pulsar cardíaco dos pneus
sobre as finas e por vezes
abissais fissuras da ponte
que um  dia traçou
tais venturas neste rumo meu.


2.

Ao longe, uma romaria de luzes surgiam
beliscando as encostas das preguiçosas serras
encostadas no mar.

Nas anfractuosidades dos montes
esse conglomerado via-lácteo
da terra e real
devotava, como chamas de velas tementes, à grandeza
magnânima e implacável, indiferente do céu.


3.

Mais perto... bem mais perto...
sob o viaduto, na baixa Favela da Maré
inutilmente as janelas disfarçavam suas intimidades.

Revelavam-nas num relevo tátil e pungente:
uma cama amarrotada, vazia e desolada;
uma mão no rosto, dor, pranto e horror;
uma xícara de chá esquecida sobre a pia;
um coito interrompido porque o marido chegou;
uma geladeira antiga, adormecida na cozinha;
um arranjo de flor do mais novo amor.

Ao lado do viaduto, uma moça olhava...
Não olhava para os carros de vidros cerrados.
Não olhava para os muros já embotados.
Olhava para tudo, olhava para nada.

Talvez nem céu e chão habitassem ali.
Talvez ela olhasse para dentro de si.

Aí então, na eternidade fugaz do segundo
o mundo parou
pois seus olhos por fim
sorriram para mim
na robusta e tênue
linha do amor.