sábado, 9 de novembro de 2013

Poema achado


Achei Amor
nas sombras das aves
mergulhadas no mar,
e de tanto amá-las
não consegui me encontrar.

Achei Amor
no lamento dos galhos
sob a lembrança dos ventos,
era só inventá-lo
que não passava o tormento.

Achei Amor
de vaga-lume no escuro,
com um simples piscar
se perdia no mundo
e se achava bem cá.

E por tanto achar
não acho mais nada.
Quem ama é tão sabido
que só se faz enganar.


sábado, 28 de setembro de 2013

Poema perdido

Por onde anda o meu amor?
Recolhido, vaga em algum quarto surdo?
Retido, no íntimo arfar do cobertor,
memórias invisíveis de luto?

Por onde anda o meu amor?
Na lembrança (ainda que esquecidas
tais liras), que insinuante se fingia
como finge o sorriso a sua dor?

Meu amor, por onde anda?...
No adeus das aves ao fim do verão,
na presença impalpável do amanhã,
ou é ausência concreta no coração?

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Despertar


Um galo sozinho não tece a manhã
ele precisará sempre de outros galos.

(João Cabral de Melo Neto, 'Tecendo a Manhã")


O amanhecer da sociedade surge quando há uma síntese de duas ideias opostas - algo que se dá continuamente na rua, na escola, entre pais e filhos, entre dois namorados, entre patrão e funcionário, entre povo e governo e, claro, no meio acadêmico, mesmo que tenhamos que conviver com a "consciência individual" e o "ato de conhecer" isolado do sr. Olavo de Carvalho (ver sua home page). Mas felizmente o mundo é bem maior, interativo e complexo do que isso, pois um habitante que tenha nascido e vivido eternamente sozinho numa ilha nunca conseguirá soletrar a palavra sociedade.

Assim, essa rede de ideias (tese e anti-tese) - que amalgamadas a outros fatores tecem a história - depois de uma árdua luta se conciliam, selecionando aquilo que é mais produtivo e proveitoso para humanidade. Entretanto, dentro desta unidade, desta suposta clarividência platônica, surge em seu próprio seio, como um tumor, outra oposição, outra contradição, que se agregará posteriormente, num movimento de junção e disjunção, contínuo e fluido - como a violência e a calmaria das ondas do mar sob o olhar apaziguador e dócil do horizonte.

A ingenuidade de Hegel (bem aceito pela direita acadêmica) é achar que as coisas se dão de maneira tão abstratas assim; achar que unicamente a ideia - esse ser puro e santo - é responsável por toda historicidade é ignorar o meio em que vivemos. Ela, antes de tudo, está submetida, ou melhor, está numa troca profunda com uma realidade concreta e material. Por si só é abstrata, intangível, e deve estar sim vinculada com a vida, com a realidade prática. É por isso mesmo que nos diz Paulo Freire que primeiro devemos ler a vida e depois as palavras.

São por esses motivos que o despertar da sociedade se faz e refaz continuamente. Só quem quer acabar com a história e com a vida não vê isso.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

A Christiane Soares

Amanhecer

O tempo esvoaça as folhas dos galhos,
um chilrear de andorinhas redemoinha o ar
e o que era turbilhão
é cristal 
             e pingo
no sol da manhã.

sábado, 23 de março de 2013

Insight

A vida é tão fugaz
que nem temos tempo de perceber
se se faz poesia ou intento
na fagulha do ser.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A pedra e o pensamento


Chega-se determinada hora
que o pensamento não mais se move.
É lago de sombras e silêncio,
calcado num suspiro-memória.

Chega-se determinado dia
que o pensar range junto aos ossos.
É cismar de relógio no quarto.
Poer se fazendo, palha de vida.

Chega-se num impensável tempo
que tal pensamento é laje fria
sob o sol. E até da estupidez
da pedra. E do formol consenso.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Notas sobre o pensamento


Pensamos andando,
porque parar pra pensar
é ter uma pedra no calcanhar.

*            *            *

Pensamos ao andar,
porque andando
contamos aos nossos passos,
que não contam conosco
da esquina ao dobrar.

*             *            *

Pensamos andando
ou é o sonho: anda,
para num sinal
depois, atravessar.

*             *             *

Paramos de pensar
quando pisamos pensamentos
feitos de ar.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Nome ou codinome?


Por não saberem da minha dor,
me chamam de Professor.

Por não saberem meu nome inteiro,
me chamam de Livreiro.

Por não saberem da minha meta,
me chamam de Poeta.

Por saberem mais que tudo,
me chamam de Maluco.

Mas chamem-me só de Ivo,
que eu assino o livro.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Longa-metragem


Ele, o grande amor, vai em câmera lenta,
no quase instante (lascivo) da gota.
Em close, para eternizar a cena.
Em off, para não perder o pudor.