Oração subordinada
O dono lá de cima
cobrou o presidente
que cobrou o governador
que cobrou o prefeito
que cobrou o empresário.
O empresário pediu ao banqueiro
(que cobrava alto todo mundo)
e cobrou de dona maria também
que, como não tinha a quem cobrar,
pôs as mãos no rosto
acendeu uma vela
e orou.
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
domingo, 19 de outubro de 2014
Registro de Ocorrência
Friedrich Nietzsche vai dizer que não existem fatos, só interpretações.
Pois bem, outro dia fui à casa de um amigo. A palidez dos traços - que mais parecia uma meia lua desnutrida, já que era magro, bem magro mas com óculos grandes e olhos atentos - já revelava que era um poeta de mão cheia, ainda mais com sua meia idade. O seu versejar sempre visitava lugares sujos, podres e nefastos. Lia também Nietzsche e apreciava, principalmente, boa quantidade de bebidas. De preferência, aquelas que estivessem mais acessíveis. E, como todo apreciador de Nietzsche, poesia e bebida, a verdade sempre anda numa corda bamba, mesmo que o chão esteja ali: plano, duro e a um passo dos seus olhos. Mas há sempre um abismo entre o que se vê e o que se quer ver. Por isso mesmo, às vezes tropeçamos nesse vácuo infinitesimal; até quando estala o osso e a realidade.
Mas deixemos de entrelinhas e vamos ao que de fato nos interessa. Quando entrei, percebi um certo mal humor; mas até aí tudo bem, pois não andava nos seus melhores dias de economia: pouco trabalho, aluguel atrasado e tudo mais. Além disso, esquivava seu rosto na meia luz da sala. Mas era inevitável, uma enorme roxidão no olho, como se uma ferradura em brasa de má sorte ali o tivesse marcado. Denunciava-o. Se fosse tênue, poderia até fingir que eu não via nada - como tantas vezes fazemos para ser gentil com as pessoas - mas a obviedade do fato constrangia tal pudor. Poderia até ajudá-lo, conforme o caso.
- O que houve? - perguntei demonstrando um espanto meio disfarçado.
- Fui assaltado - disse trincando as palavras.
- Como? Onde?
Falou, com uma displicência que evita deslizes, que tinha parado numa árvore em Copa para urinar - urinar não, que não é palavra que se preze pra este personagem, mas sim mijar -, mijar de madrugada, quando passou um bandido e pediu-lhe para passar a carteira. E nosso amigo, como se escorava com uma mão e com a outra calibrava a pontaria, respondeu prontamente:
- Tudo bem... Segura aqui, que vou pegar.
Quando terminou de contar a história, sorveu um gole de cachaça, ou alguma outra coisa parecida, acendeu um cigarro, iluminando a mancha de seu rosto, e reclamou de alguma coisa que não me lembro bem o que era ...
Friedrich Nietzsche vai dizer que não existem fatos, só interpretações.
Pois bem, outro dia fui à casa de um amigo. A palidez dos traços - que mais parecia uma meia lua desnutrida, já que era magro, bem magro mas com óculos grandes e olhos atentos - já revelava que era um poeta de mão cheia, ainda mais com sua meia idade. O seu versejar sempre visitava lugares sujos, podres e nefastos. Lia também Nietzsche e apreciava, principalmente, boa quantidade de bebidas. De preferência, aquelas que estivessem mais acessíveis. E, como todo apreciador de Nietzsche, poesia e bebida, a verdade sempre anda numa corda bamba, mesmo que o chão esteja ali: plano, duro e a um passo dos seus olhos. Mas há sempre um abismo entre o que se vê e o que se quer ver. Por isso mesmo, às vezes tropeçamos nesse vácuo infinitesimal; até quando estala o osso e a realidade.
Mas deixemos de entrelinhas e vamos ao que de fato nos interessa. Quando entrei, percebi um certo mal humor; mas até aí tudo bem, pois não andava nos seus melhores dias de economia: pouco trabalho, aluguel atrasado e tudo mais. Além disso, esquivava seu rosto na meia luz da sala. Mas era inevitável, uma enorme roxidão no olho, como se uma ferradura em brasa de má sorte ali o tivesse marcado. Denunciava-o. Se fosse tênue, poderia até fingir que eu não via nada - como tantas vezes fazemos para ser gentil com as pessoas - mas a obviedade do fato constrangia tal pudor. Poderia até ajudá-lo, conforme o caso.
- O que houve? - perguntei demonstrando um espanto meio disfarçado.
- Fui assaltado - disse trincando as palavras.
- Como? Onde?
Falou, com uma displicência que evita deslizes, que tinha parado numa árvore em Copa para urinar - urinar não, que não é palavra que se preze pra este personagem, mas sim mijar -, mijar de madrugada, quando passou um bandido e pediu-lhe para passar a carteira. E nosso amigo, como se escorava com uma mão e com a outra calibrava a pontaria, respondeu prontamente:
- Tudo bem... Segura aqui, que vou pegar.
Quando terminou de contar a história, sorveu um gole de cachaça, ou alguma outra coisa parecida, acendeu um cigarro, iluminando a mancha de seu rosto, e reclamou de alguma coisa que não me lembro bem o que era ...
Enfim... sobrou o silêncio. Por isso
acho melhor ficarmos por aqui. Se os fatos são verídicos não sei. Talvez nem o
poeta se lembre direito.
Pa
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Aforismo
O preconceito que as crianças têm é o mesmo que os adultos carregam. Só que o delas é sincero e honesto, destes falso e corruptível. O jogo social se encarrega disso. Por isso que quando nos olhamos no espelho forjamos um sorriso e vemos o quanto ele é forçado e triste. E ensaiamos com toda sinceridade: qual sorriso farei naquela festa, naquela reunião? Mas o espelho, implacável, te diz: "Conforma-te, o único amigo fiel que tens sou eu." Na verdade, o que queremos mesmo, ao nos olharmos, é não envelhecer (e não ter preconceito disso), o que queremos é voltar à infância. (Espelhos também enganam.) Mas já é tarde! E continuamos fingindo que não. E achamos tudo isso normal.
O preconceito que as crianças têm é o mesmo que os adultos carregam. Só que o delas é sincero e honesto, destes falso e corruptível. O jogo social se encarrega disso. Por isso que quando nos olhamos no espelho forjamos um sorriso e vemos o quanto ele é forçado e triste. E ensaiamos com toda sinceridade: qual sorriso farei naquela festa, naquela reunião? Mas o espelho, implacável, te diz: "Conforma-te, o único amigo fiel que tens sou eu." Na verdade, o que queremos mesmo, ao nos olharmos, é não envelhecer (e não ter preconceito disso), o que queremos é voltar à infância. (Espelhos também enganam.) Mas já é tarde! E continuamos fingindo que não. E achamos tudo isso normal.
sábado, 4 de outubro de 2014
Rua Tomás Antônio Gonzaga - Duque de Caxias
(um campo ou um ponto de fuga)
Uma ou outra casa vigiava a porta.
O silêncio dobrava o eco. Nem vento
nem rumor de talheres, sol... silêncio...
no duro estertor do esterco, da bosta.
A velha angulosidade de uma perna
num fóssil-sentar pelo meio-fio
inquiria: Que faz neste caminho?
E eu fugia na fuga minha e com ela.
Subo na rua de fuga da Poesia,
no salgado rumo pra vê-la nua;
soletro sol, mas imagino a lua.
Por onde campeia a minha Marília?
Mas quando chego no alto do monte
vejo bem perto o que agora é longe...
(um campo ou um ponto de fuga)
Uma ou outra casa vigiava a porta.
O silêncio dobrava o eco. Nem vento
nem rumor de talheres, sol... silêncio...
no duro estertor do esterco, da bosta.
A velha angulosidade de uma perna
num fóssil-sentar pelo meio-fio
inquiria: Que faz neste caminho?
E eu fugia na fuga minha e com ela.
Subo na rua de fuga da Poesia,
no salgado rumo pra vê-la nua;
soletro sol, mas imagino a lua.
Por onde campeia a minha Marília?
Mas quando chego no alto do monte
vejo bem perto o que agora é longe...
terça-feira, 23 de setembro de 2014
sábado, 13 de setembro de 2014
sexta-feira, 18 de abril de 2014
Os Complementos Verbais
Com um foco na questão adverbial
Suponhamos que alguém nos dissesse:
Eu compro.
Esta frase estaria incompleta,
pois logo viria a pergunta “Compra o quê?”. O verbo comprar então necessita de
uma delimitação semântica, já que quem compra compra alguma coisa. Mas a
relação predicativa estaria completa em
Eu compro um
carro.
Assim, um carro seria seu
complemento verbal. E neste caso específico objeto direto, pois tal complemento
não se dá por intermédio de uma preposição necessária. Logo, o verbo seria
classificado como verbo transitivo direto.
Dissemos preposição necessária
porque há verbos transitivos diretos que vêm acompanhados de preposição quando
queremos encarecer o ser a quem se destina a ação como
Amo a Deus
acima de tudo.
Ou quando queremos evitar
ambigüidade como
A Carlos chama
Carolina.
Já na frase
Marcelo deu o
livro ao seu colega.
O termo ao seu colega, tal como o termo o
livro, também completa o sentido do verbo. Só que dessa vez sob o
intermédio da preposição a. Por esse motivo ao seu colega é um complemento
verbal que receberá a denominação de objeto indireto.
Para alguns gramáticos frases
como
Carolina falou
de você.
Também teriam como complemento um
objeto direto, tendo em vista que de você
é termo que se acompanha de preposição. Esses autores, como Celso Cunha, estão
seguindo rigidamente a NGB. Mas para
outros, em que se incluem Bechara, Rocha Lima e José Carlos Azeredo, tal
complemento receberá a denominação de complemento relativo tendo em vista que
de disséssemos,
Carolina falou
do ocorrido à amiga.
Teríamos dois objetos indiretos
que não estariam coordenados, o que seria impossível.
Acrescenta-se também que somente
seria objeto indireto os termos que
pudéssemos substituir por pronome
oblíquo :
Carolina
falou-lhe do ocorrido.
Marcelo
deu-lhe o livro.
Eu disse-lhe
que ficaria em casa.
Como se vê ficaria anormal a
frase
*Carolina
falou-lhe à amiga.
Acrescenta-se ainda que o objeto
indireto só se dá com a preposição a e
raramente para e se refere somente a
ser animado ou capaz de tal.
Entregaram os
convites de casamento aos convidados.
Como estava
muito agitado, dei o osso ao cão.
Pedi perdão a Deus.
Por fim vale lembrar que o termo transitividade,
segundo Kury, significa em latim passar do verbo da voz ativa em passiva. O que
ocorre com os verbos transitivos diretos e, raramente, com os indiretos .
A polícia
prendeu os ladrões do banco.
Os ladrões do
banco foram presos pela polícia.
Dissemos até aqui que os ou
objetos diretos, indiretos e complementos relativos são necessários para restringir semanticamente
um verbo, que se encontra em aberto, ou seja, os verbos transitivos. Esses
complementos são termos integrantes da oração ou, na denominação de Bechara,
são argumentais, são indispensáveis para perfeita compreensão do enunciado.
Todavia a questão não é totalmente esclarecida quando nos deparamos com o
período
Ontem, os
surfistas foram à praia.
A gramática mais tradicional vai
considerar o termo à praia como
adjunto adverbial. O que causa estranheza é que se elidirmos tal termo,
Ontem, os
surfistas foram.
A oração fica semanticamente
incompleta, pois adviria logo a pergunta “Foram aonde?”. Logo, não há motivo
para encará-los como um mero termo acessório da oração, como um adjunto
adverbial. Fazer isso é querer equipará-lo ao termo Ontem, que pode ser facilmente retirado sem causar dano à
compreensão do enunciado.
Os surfistas
foram à praia.
Assim, à praia deve-se enquadrar como um verdadeiro complemento verbal. É
o que defende Evanildo Bechara, Rocha Lima, José Carlos Azeredo e Adriano da
Gama Kury. A questão toda é a não
unanimidade do termo, apesar de todos detectarem o mesmo fenômeno.
Evanildo Bechara vai chamar de
complemento relativo, mas põe no titulo deste tópico, na sua Moderna Gramática Portuguesa, de “Determinantes
circunstanciais ou adverbiais.” Tal termo tem a vantagem de ser bem amplo, tal
como um hiperônimo.
Rocha Lima vai chamar de
complemento circunstancial.
José Carlos Azeredo segue a
orientação de Bechara e também chama de complemento relativo.
Adriano da Gama Kury vai
denominar de complemento adverbial.
Pois diz:
“Complemento adverbial é o termo de valor circunstancial que
completa a predicação verbal de um verbo transitivo adverbial.”
Entretanto, há aí um problema de
denominação, pois se estamos falando de complementos verbais, é porque há um
complemento necessário do verbo. Se usarmos, porém, complemento adverbial
estaríamos então falando, seguindo a lógica anterior, de um termo que completa
o sentido do advérbio?
De qualquer forma, se referindo à
limitação da Nomenclatura Gramatical
Brasileira, admite, em relação aos verbos, Bechara, na sua Lições de Português pela
Análise Sintática, a denominação de “verbos transitivos adverbiais, isto é, os
que pedem como complemento uma expressão adverbial”(p.52).
***
Parte inicial da monografia apresentada, em fevereiro de 2014, no curso de Pós-Graduação (Especialização) do Liceu Literário Português, sob a orientação do Prof. Evanildo Bechara.
***
Parte inicial da monografia apresentada, em fevereiro de 2014, no curso de Pós-Graduação (Especialização) do Liceu Literário Português, sob a orientação do Prof. Evanildo Bechara.
sábado, 5 de abril de 2014
quarta-feira, 2 de abril de 2014
História, atualidade e contradição
O mundo atual, pós-moderno e pós-estruturalista, não comporta mais dicotomias em diversos ramos do saber e político-econômico, inclusive. Comunismo e capitalismo é uma delas. As relações que vivemos não são mais tão simplistas e duais. Dizer que qualquer governo que tenha o mínimo de estado é comunista é reduzir as coisas (além de ignorar o conceito do termo) e não ver a complexidade que elas trazem em si, apesar de haver um outro complexo bem maior e de outra ordem, cujo primeiro sintoma surge quando se afirma o que se nega...
Continuando. Se seguirmos essa ótica, poderíamos chamar os EUA de socialista, já que quem segura as crises bancárias de lá é o governo, como o fez em 1929. É sabido também que no socialismo soviético também foi tolerado capital privado (com suas limitadas proporções) durante a "New Economics Polítics". E para essas coisas já existem nomes: keynesianismo, capitalismo de estado na china e etc. Assim, de acordo com novas propostas que atendam a demanda da história, outras formas e nomes serão inventados.
Por outro lado, as ideias não se perdem se constroem. Digo isso porque a confusão de opiniões precipitadas e contraditórias - que mais gritam do que analisam pacientemente o fenômeno - está em afirmar que o comunismo permanece em tudo e, ao mesmo tempo, só faz parte da memória. Dizer que o socialismo não existe mais é o mesmo que dizer que a roda nunca foi inventada. Se temos 13 salário, vale transporte, férias e direito à greve (que muitas vezes, nem todas talvez, são justas e atendidas) tudo isso advém de luta de trabalhadores, que na época da Segunda Revolução Industrial trabalhavam 12, 13, 16 horas diárias.
As ideias não se perdem se complementam, se imbricam e se transformam. Mas não se perdem. Se há, hoje em dia, uma demanda por melhorias por saúde e educação é porque o Estado não está cumprindo com eficácia o contrato social, onde deve haver direitos e deveres. Se há uma demanda por igualdade é porque a riqueza está tomando uma via cada vez mais afunilada, com péssima distribuição de renda. Se há uma demanda por melhoria de qualidade de vida nas cidades (transportes, por exemplo) é porque não se aguenta mais o inchaço urbano, a concentração de gente, poluição e ratos nas grandes metróloles.
A verticalização da economia e dos grandes centros urbanos são modelos que devem ser superados. Talvez aí o socialismo, aliado com outras formas de pensar, pode dar sua contribuição. A ideia principal, por fim, é agregar - e não, segregar.
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