quinta-feira, 8 de março de 2018

Quem banca?

À certa hora da noite abafada, um carro de vidro escuro encosta. - Vai lá, é ele. Um jovem desce com a pistola destravada, se encaminha com uma coragem bamba até o cara. E dá, não só um, mas uma rajada de tiros. (Ele era bom nisso, talvez fosse a única coisa de que se orgulhasse na vida.)

Mas dois ou três segundos depois, uma outra rajada, vinda de um lugar próximo, responde à mesma altura. E o jovem, cujas pernas tortas de nascença nessa altura já se confundiam com seu cambalear agonizante, cai em frente ao carro do seu comparsa, que imediatamente passa em fuga por cima do seu corpo, ainda meio vivo, e dobra a esquina num arrancar de pneus, deixando pra trás um silêncio frio e agudo. Clínico.

Na manhã seguinte lavaram a rua, dizendo que isso é um absurdo, parceiro! E mais absurdo ainda é o absurdo dessa criminalidade, desses políticos, desses ladrões, dessas pessoas! Foi justamente aí que a indignação cessou. Justamente aí quando alguém perguntou se ia chover hoje.

- Acho que não, vi ontem no jornal - respondeu imediatamente um otimista com um sorriso suado, daqueles que tentam se convencer da agilidade e esperteza de ter respostas tão prontas (mesmo que sejam simples), tão na ponta da língua.

Aliás, é mesmo. Foi mais um dia quente. Um calor de rachar. Mas, apesar da irritação e incômodo, quase todos chegaram em casa bem. Os que podiam ligaram o ar-condicionado. Os que não tinham deitaram-se com os pés descobretos bem perto ventilador. E muitos outros ficaram ao relento, no chão ou num canto da laje fria. E todos se conformaram.

Nenhum comentário: