quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Prepúcio

O padre pediu-me para que baixasse as calças. Achei estranho, mas de uma estranheza diferente, não era medo mas também não era coragem, ninguém tem coragem do que não conhece. Era obrigação e um certo respeito.

Via, nos álbuns de fotografia, que Ambrósio era amigo da família e confiável, entendedor de latim, de Aristóteles, das Escrituras. Batizou-me, fez minha primeira comunhão, dava conselhos nos estudos bíblicos.

Uma vez, quando acordei, meu pau ficou de uma maneira diferente. Não sabia o que era pau (achava que só servia pra fazer xixi) e não sabia o que era diferente, de seus outros usos. Só sabia que me incomodava porque toda vez que ficava duro era um prazer diferente do prazer de comer um doce ou sentir as cócegas na nuca que sentia quando minha irmã mais velha chegava da faculdade me chamando de anjinho com um olhar diferente e, de corpo meio mole, levemente passava seus dedos.  Era um prazer que não sabia bem, mas que doía.

Não falei pra minha mãe nem pro meu pai, por falta de tempo e vergonha. Mas Ambrósio, acho, que percebeu. Perguntou como estava o colégio, fez algumas perguntas inúteis de gramática (que prontamente respondi), tergiversou sobre a razão e os caminhos seguros da fé em Deus. E que toda fé exige estudo, sabedoria, filosofia, que os protestantes tinham uma fé cega, falsa e irrefletida, sem o respaldo da escolástica, da razão e da lógica, já que Deus iluminara o homem para contemplar a perfeição - apesar de todos seus defeitos, claro - dizia buscando algum pensamento recluso, algum mistério da fé. Enfim, falava de muitas outras coisas que acho que só entendi depois, na mesma época que descobri o que era dinheiro e poder. Aí comecei a achar que era esse todo mistério, a revelação de todas incertezas humanas. De qualquer maneira, foi assim que, já nu, ele se aproximou.

- Não se assuste, meu filho.

Quando fazia para frente e para trás - igual a sensação que tive sem saber e sozinho no banheiro dias atrás - com a mão direita, deu aquela sensação esquisita, mas era bom, mas doía também. E assim ficamos durante algum tempo. Até ele dizer chega, buscando alguma medalha ou santo perdido na sacristia. E já  suando desabafou que a diocese precisava mandar vir os técnicos de ar-condicionado, que isso era um absurdo!

Uma semana depois,  minha mãe e meu pai me disseram que eu ia fazer uma cirurgia, que era tranquila - e muito importante, meu filho. Era uma pele que devia ser retirada - disseram sem muita explicação.

Foi quando cresci e adiquiri esse hábito constante. Mas que só confesso ao padre Ambrósio.