quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A leitura e a geladeira


É cada vez mais comum escutar das pessoas esta frase horripilante, e cada vez mais em tom hostil: 

- EU NÃO GOSTO DE LER!

Encaro a pessoa com tranquilidade e digo: 

- Você gosta de geladeira?

A pessoa fica me olhando sem entender. E aí explico:

- Se você estivesse numa casa nova, ainda vazia, você compraria uma geladeira primeiro ou uma televisão?

A pessoa, ao julgar minha pergunta idiota, responde como se tudo fosse muito óbvio:

- Claro que uma geladeira.

 E aí chego onde queria:

- Então, ler é como ter uma geladeira. Todo mundo tem que ter uma em casa. Se você não tem uma geladeira, vai ter que pedir para os vizinhos guardarem sua comida. Imagina o constrangimento, a encheção de saco!

E a pessoa, até então na sua suposta superioridade, pergunta:

- Mas o que isso tem a ver?

Concluo:

- Tudo. A pessoa que não lê, porque não gosta, tem que pedir para o vizinho ler algum contrato relativamente simples porque não entende. Tem que pedir para o vizinho ler algum informe, seja do patrão, do condomínio, da comunidade, do bairro, do prefeito ou do presidente, porque não entende. Tem que pedir ao outro para escrever uma carta ou email, porque não sabe, e não quer escrever "errado", acha feio. Tem que pedir para o vizinho ler uma notícia no jornal, porque não entendeu direito - a não ser aqueles de pior qualidade, e mesmo assim.... Tem que pedir para o vizinho mexer no celular ou computador porque, ainda que sejam tecnologias que ofereçam dificuldades, tudo vem escrito. Não entende o que acontece com o país, com o mundo, com a política. É enganada por qualquer discurso e muitas vezes até mesmo pelo vizinho. Enfim, a pessoa que não lê, por preguiça, é aquela que toca na porta do vizinho dito inteligente, tirando-o dos seus afazeres, enchendo seu saco, para "encarecidamente" pedir algo a toda hora. E ainda tem que confiar nele. Portanto, ler com eficiência, coisa que só se aprende na prática, é ter uma geladeira. E, para isso, não precisa ser uma leitura estilo Frost Free, pois basta um pouquinho por dia. Mas, se quiser ter hábito de leitura intensa e variada, adquirindo senso crítico e visão de mundo, terá uma casa montada para, confortavelmente, viver da maneira mais autossufuciente possível. Entendeu? Ou quer por escrito?...

Mas nosso amigo, ainda em sua caverna:

- Não quero não. Eu não gosto de ler.


Ivo de Souza 


domingo, 3 de setembro de 2023

Hoje soube seu nome


Saimon.
Morreu nas pistas
do Aterro do Flamengo
antes que a manhã se completasse.
Não ia aos atos de LGBTQIA+
Não era preto
nem pertencia à tribo alguma. 
Como cama, arrumava uns papelões
à frente de uma loja de grife.
Comia as pizzas que 
a classe média
deixava-lhe 
em gesto purificador.
Tomava umas cachacinhas,
furtava as guimbas do chão.
Não incomodava ninguém.
Nem a manhã, 
que se completou
sem nenhum incidente maior,
segundo os jornais 
e os pássaros,
cuja migração não pode ser interrompida.
Apenas um colaborador chegou tarde.
Mas, numa retórica que supera o susto
e numa gramática que supera o humano erro,
convenceu o patrão de que não tivera culpa.
- E ainda o capô amassado!
Por pouco não foi mandado embora.
Que alívio!