sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Discussão encerrada


- Mas se matemática é números por que botam letras?, risos com a colega ao lado.
- É pra descobrir uma incógnita.
- Mas pra que descobrir isso? Usa o computador. Isso não serve pra nada.
- Como não serve? Serve sim. Serve pra você aprender a raciocinar. Como português também. A matemática trabalha com a linguagem de números e português com a linguagem verbal.
- Pra quê? Não vou usar isso aí pra nada.
- Como não? Tudo é linguagem. Serve pra escrever um relatório para seu chefe quando estiver trabalhando... Serve pra escrever um cartão de Natal para sua mãe.... Serve até para você se expressar melhor oralmente.
- Eu não escrevo cartão. 
- Mas escreve no zap, no email...
- Isso não serve pra nada.
Numa última tentativa o professor disse:
- Então você quer dizer que milênios de anos de educação não servem pra nada?!
- É!

E assim, na certeza de que seus argumentos eram indestrutíveis, universais e durariam outros tantos milênios, a menina de 16 anos resolveu dar por encerrada a discussão:
- Posso ir embora?!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Paideia: A Moral da História
 

Quem foi Pandora? Foi a primeira mulher criada pelos deuses Gregos para agradar aos homens. Quem foi Eva? Foi a primeira mulher criada por Deus para acompanhar Adão.

Pois bem. O que Pandora fez? Abriu uma caixa que não lhe era permitida abrir. O que Eva fez? Comeu a maçã que também não lhe era permitida. O que aconteceu então? Toda sorte de desgraças se abateram sobre a humanidade (retifico, judaico-cristão e grego apenas). A confiança dos seres divinos rompeu-se.

Mera coincidência? Não. Muito provavelmente esses mitos tiveram caminhos cruzados no mundo antigo. Cada povo com sua leitura.

Os nossos alunos sabem disso? Não. Muito provavelmente a maioria não sabe de Pandora; e não veem a Bíblia como narração mítica nem como lições pedagógicas, apenas como uma narrativa de verdade absoluta e fé irredutível. Aliás, se usar o termo mito está arriscado de o professor ser seriamente hostilizado. No mínimo abandonarem o curso.

Conclusão. Cabe ao educador, sem destituir a crença do aluno, explicar que essas coincidências das estórias (vai aqui com "e") têm laços bem evidentes e que não podem passar despercebidas. Mais do que isso: explicar que toda narrativa mítica-religiosa ultrapassa a mera curiosidade dos acontecimentos em si. Mas que ela está carregada de valores, de símbolos e de uma moral que, mesmo em muitos aspectos atemporal, atendia principalmente a demanda histórica e concreta da sociedade na qual surgiu - da época, portanto. E que, a despeito dos tempos patriarcais em que se vivia, muitas coisas mudaram e só servem como lição do passado. 

O papo é reto: só assim se combate falsos profetas e falsos moralistas.


Prof. Ivo de Souza
Mistérios da fé


Em seus oitenta e três anos,
veias entortam o fio do tempo.
Os ossos em suas trincheiras 
dão forma ao frágil papel crepom
que hoje reveste apenas o corpo.
Em outros tempos, carnavais.

No genuflexório da vida,
os gemidos das mãos
guardam segredos
como borboletas em prece.

Se se abrem à pureza do ar,
não era para um último voo,
era para Deus abrandar a dor.

Se pousam feito fio de vela,
não era pois paz e conforto,
era para Deus vir em socorro.

À hora da sagrada hóstia,
tem medo, não quer comungar.
Ar por um triz. No corpo, frio.
Boca sem céu. Saliva silente.
E agora? O que resta? O véu
da terra. Da terra inclemente!

Mas, entre tantos santos
da Santíssima Trindade,
vibrou alta a mais bela voz:
- Ei! Acalma-te, Senhora!
Pois, quando longe se vai,
justo retorno é o caminho.
Se pecastes, não importa.
Muito menos, se ousasses.
Estás fora. És tu anjinho.