sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

        Aos colegas do Colégio Herbert Moses


Despedida


Caros Amigos, ia deixar abraços.

Mas deixo apenas as simples lembranças

dos tempos que, agora livres de tranças,

atavam os fios ao rubor dos laços.


Queria deixar um beijo. Bem suave.

Mas, veloz, escapa aos lábios a cor

das asas inquietas do beija-flor.

Fica o vulto. Arrepio que não se sabe.


Queria deixar pelo menos um gesto,

aperto de mão, umas poucas palavras.

Um único adeus, um gracejo sem graça.


Ou até mesmo o silêncio circunspecto

das copas das árvores. Bem discreto

queria sair, mas sem a dor do que passa.

sábado, 11 de dezembro de 2021

Samuel Heisenberg Gonsalez


Numa casa de uma família de industrial no Morumbi.


- Pai!

- O quê, meu filho?

- Vou fazer vestibular.

- É... Que bom! De quê?

- Licenciatura em Artes.

- O quê?!!!

- É, pai. Não é legal?

- Não!!! Samuel, você tem que virar médico, engenheiro, doutor! Pode até fazer administração, economia, gerenciar nossos negócios.

- Mas é que eu gosto, pai.

- Não repete isso. Se não vai entrar no cacete - já botando a mão no cinto. - Isso é culpa da sua mãe, que fica te mimando. Te dando livrinhos, te levando a museus. 


No dia seguinte o pai chamou o filho.


- Meu filho, aqui estão as passagens. Vou financiar seus estudos fora. Havard. Tudo pago. Não precisa se preocupar com nada.

- Mas eu não quero ir, pai.

- Filho, pense bem na oportunidade. Você vai herdar tudo isso. Tem que estar preparado. A vida não é nada fácil - insistiu se esforçando para ser paciente.

- Eu quero fazer arte, pai.

- Seu vagabundo! Preguiçoso! Comunista!

- Além disso, estou apaixonado, pai.

- Ahhh... Agora entendi. Tem uma paixão, né? Meu menino! Quem sabe não levamos também. Quem é ela? É de família? Qual é o nome?

- Não é ela não, pai. É ele. Seu nome é João!


O pai nem pensou. Arrancou o cinto e deu no couro do rapaz.


- Fora de casa! Rua! Vou te deserdar!


Foi quando tocou o interfone. E antes que o pai soubesse quem era, a empregada já havia pedido para subir. Era o João com sua mãe.


Enquanto o filho se recompunha no quarto, o pai, Dr. Mathias Müller Heisenberg , foi recebê-los na sala. A mãe de João, Sra. Carmem Albuquerque Gonsalez, veio falar sobre o namoro do seu filho com João, dizendo que consentia. Que, se o filho era feliz, ela também ficava. Que era melhor ser assim do que se arriscar com desconhecidos. Por isso, apenas queria conhecer o pai de Samuel. Para verificar se tudo ia bem. Que não se opunha até com um casamento. Disse também que era dona de uma das maiores redes de joalheria do Brasil, com representação até no exterior e que, enfim,  daria todo apoio no que precisasse.


Dr. Mathias ficou uma semana pensativo. E aos poucos foi mudando a ideia de obrigar seu filho a estudar fora. Que a faculdade de Artes nem seria tão mal. E que, apesar de tudo, casar seu filho com João até que... até que não seria tão ruim. Afinal...


Passado um ano, quando Samuel já estudava Artes, festejaram num cartório o tão esperado enlace matrimonial. Houve até padre que, mediante alguns entendimentos, concordou que a Igreja tinha que ser renovada e preparou um cerimônia. Bem reservada, claro.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Final de semana


Segunda-feira. Sala de escritório. O chefe sentado na cadeira atrás da mesa assinando papéis. Duas cadeiras menores à frente. O empregado entra e fica em pé.


(Chefe, sem olhar)

Trouxe os documentos?

(Empregado)

Não. O problema é que tá guardado num armário lá em cima em casa.

(Chefe, ainda sem olhar, com sorriso no canto da boca)

Essas coisas você deixa pra fazer final de semana...

(Empregado, com olhar baixo, dizendo para si em sussuros)

Eu não tenho final de semana.

(Chefe, para de assinar e olha sobre os óculos)

O quê?!

(Empregado)

Nada não, senhor... Amanhã eu trago.


Dia seguinte. Na mesma sala.


(Chefe)

Trouxe os documentos?...

(Empregado)

...

(Chefe)

Trouxe ou não?!

(Empregado)

Final de semana vejo isso, chefe.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Dezembro


Entro pois no fim 
sem sair eu do meio.
E o que pesa em mim
é o tempo sem freio.

               *

Do acúmulo dos dias
o que há de proveito?
A empáfia do respeito
ou o chá que esfria?