sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Bichos e humanidade

  Chego no colégio em cima da hora. Na hora da chamada chamo uma aluna que sempre me pareceu boa. Dou um livro de gramática para ela, um Celso Cunha. Termino a aula e vou para outra turma que, dizendo a verdade, parece qualquer outra coisa, menos turma. Mas não vai ser no final do ano que vou consertar. Lanço no quadro a matéria da prova e eles saem desembestados como se fossem uma manada.

  Tinha outras coisas para resolver. Vou para a secretaria e, no computador, preparo as provas. Enquanto isso um borburinho danado. Professores e a secretária passam um vídeo da câmera interna em que, ao que parece, uma aluna espancou a outra. Inclusive com chutes na cabeça. Ligam para as mães. Estava impossível preparar a prova, mas alguma coisa já tinha feito.

  Decido ir embora. Mas antes que fosse olho em cima de uma prateleira o livro que tinha dado para a aluna. Chamo a secretária e ela diz que a aluna havia deixado ali e que "depois pegava". Mas como? Eu dei a ela, observo um tanto atônito. Foi o que ela disse professor, responde a secretária fuxicando algo no arquivo e meio impaciente.

  Já no ponto, na Washington Luis, Duque de Caxias, três ônibus passam e não param para mim. Pego o quarto. Mas a raiva cedeu a um sono boquiaberto e babado na poltrona. Solto no Passeio, como um cachorro quente vagabundo e volto para o Flamengo andando. Ao chegar em casa, no corredor do meu prédio, encontro um gato. Está assustado. Parece perdido. Seduzo e o pego nas mãos. Me morde e me arranha um pouco. Levo-o na portaria e pergunto ao porteiro de quem é. Ele interfona para alguns apartamentos mas nada. Resolvo levá-lo para uma sala do condomínio. Vou pra casa e pego leite. Pergunto para minha mãe se posso trazê-lo. Ela diz meu Deus, nem pensar! Pergunto ao porteiro se ele não se lembra mais de ninguém. Só um morador que não está aí, me diz. Vou à sala. Lá está ele, acuado, escondido embaixo de uma cadeira. Daí foi uns quinze minutos até convencê-lo de que eu não era "do mal". Primeiro levanta a patinha, buscou farejar algo, mas parecia desistir, olha pros lados, levanta as orelhas para algum barulho distante. Mas, enfim, veio. Lentamente, calculando os segundos do tempo, numa precisão meticulosa e arisca, milimétrica e infalível. Se aproxima. Bebe o leite. Parece estar gostando. Viu, bichåo, eu sou um cara legal. Depois, dá uma volta pelo ambiente e fica roçando na cadeira e se empertigando todo.

  Mas antes que eu escutasse, ele alerta com seu apontar de olhos e orelhas eriçadas que vinha alguém. E vinha mesmo. Já escutava o barulho de vozes. É a do porteiro e de uma mulher. Entram. Ela, sem olhar para mim, chama pelo gato, que não a atende imediatamente. Era uma garota de seus 25 anos. Vou à porta fechá-la para que ele não fugisse. Pega o gato com uma certa indelicadeza e vai embora. Sem ao menos me agradecer nem olhar para meu rosto.

  De mim, nesse dia, me sobrou uns arranhões. Mas não eram os do gato que me incomodavam. Eram aqueles que ficam marcados na alma. Penso tudo isso agora antes de dormir. E com a certeza de que não devo esperar mais por nada, só por um outro dia. Nem melhor nem pior.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Travesseiro

Entre as tarefas domésticas requer
fazer a cama, pendurar a roupa. E
deitar. E, antes do sono, a consciência
de que não se esqueceu de nada;
nem mesmo de uma rima sequer.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Pelo menos o cara foi sincero

Depois de dizer seu nome completo e de todo discurso da humildade, que era trabalhador mas desempregado, que a mãe tava doente, que tava catando latinha, morava na Mangueira e tudo mais, emendou:

- Falta 4 pra comprar uma maconha de dez.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Simplesmente

Sou o avesso do desavesso,
por isso sei quase tudo
daquilo que desconheço.