quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

12

- Aí, na moral. Tem certas pessoa que tem que chegar pranchando mesmo.
- Qual é, mané!? Vai pranchar o cara?! Qual é seu nome cidadão?
- Josenilton.
- Então, Josenilton... Meu amigo tá bolado. Mas eu gosto de você.
- Ih... a lá. Tá defendendo o cara? Tá de vacilação?
- Vacilei com você, rapá?! Vai se fudê! Joseniltom, você trabalha?
- Trabalho sim senhor.
- Onde?
- Numa fábrica.
- Aí, na moral. Vamos terminar logo com isso.
- Sou trabalhador e tenho família, por favor.
- Aí, Josenilton. Tô com um guri de três anos. Esperto pra caralho. Gostei de você, pode ir... Tu é pai, né?
- Qual é, cara, vai liberar o cara?
- Josenilton, você é família, pode ir.
- Obrigado, obrigado...
Joseniltiom agradeceu novamente, deu meia-volta e andou alguns passos.
- Mano, me dá a doze aí. Testar.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Enseada

Depois disso tudo, amor
Por que não vamos à praia juntos
de guarda-chuva
antes que o mar chova e guarde
o girassol?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

A solidão não é sair de um quarto
sozinho. Muito menos um sorriso
alheio. Os pássaros nos galhos,
a incerteza de uma asa. Uma flor
inventada nunca está só. Se revela.

A solidão é invencionice, meu caro
de quem não está só.
sem título

se ainda não te fiz um poema
não é por falta de palavras
é por falta de versos mesmo
que caibam nesse nosso dilema

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Bichos e humanidade

  Chego no colégio em cima da hora. Na hora da chamada chamo uma aluna que sempre me pareceu boa. Dou um livro de gramática para ela, um Celso Cunha. Termino a aula e vou para outra turma que, dizendo a verdade, parece qualquer outra coisa, menos turma. Mas não vai ser no final do ano que vou consertar. Lanço no quadro a matéria da prova e eles saem desembestados como se fossem uma manada.

  Tinha outras coisas para resolver. Vou para a secretaria e, no computador, preparo as provas. Enquanto isso um borburinho danado. Professores e a secretária passam um vídeo da câmera interna em que, ao que parece, uma aluna espancou a outra. Inclusive com chutes na cabeça. Ligam para as mães. Estava impossível preparar a prova, mas alguma coisa já tinha feito.

  Decido ir embora. Mas antes que fosse olho em cima de uma prateleira o livro que tinha dado para a aluna. Chamo a secretária e ela diz que a aluna havia deixado ali e que "depois pegava". Mas como? Eu dei a ela, observo um tanto atônito. Foi o que ela disse professor, responde a secretária fuxicando algo no arquivo e meio impaciente.

  Já no ponto, na Washington Luis, Duque de Caxias, três ônibus passam e não param para mim. Pego o quarto. Mas a raiva cedeu a um sono boquiaberto e babado na poltrona. Solto no Passeio, como um cachorro quente vagabundo e volto para o Flamengo andando. Ao chegar em casa, no corredor do meu prédio, encontro um gato. Está assustado. Parece perdido. Seduzo e o pego nas mãos. Me morde e me arranha um pouco. Levo-o na portaria e pergunto ao porteiro de quem é. Ele interfona para alguns apartamentos mas nada. Resolvo levá-lo para uma sala do condomínio. Vou pra casa e pego leite. Pergunto para minha mãe se posso trazê-lo. Ela diz meu Deus, nem pensar! Pergunto ao porteiro se ele não se lembra mais de ninguém. Só um morador que não está aí, me diz. Vou à sala. Lá está ele, acuado, escondido embaixo de uma cadeira. Daí foi uns quinze minutos até convencê-lo de que eu não era "do mal". Primeiro levanta a patinha, buscou farejar algo, mas parecia desistir, olha pros lados, levanta as orelhas para algum barulho distante. Mas, enfim, veio. Lentamente, calculando os segundos do tempo, numa precisão meticulosa e arisca, milimétrica e infalível. Se aproxima. Bebe o leite. Parece estar gostando. Viu, bichåo, eu sou um cara legal. Depois, dá uma volta pelo ambiente e fica roçando na cadeira e se empertigando todo.

  Mas antes que eu escutasse, ele alerta com seu apontar de olhos e orelhas eriçadas que vinha alguém. E vinha mesmo. Já escutava o barulho de vozes. É a do porteiro e de uma mulher. Entram. Ela, sem olhar para mim, chama pelo gato, que não a atende imediatamente. Era uma garota de seus 25 anos. Vou à porta fechá-la para que ele não fugisse. Pega o gato com uma certa indelicadeza e vai embora. Sem ao menos me agradecer nem olhar para meu rosto.

  De mim, nesse dia, me sobrou uns arranhões. Mas não eram os do gato que me incomodavam. Eram aqueles que ficam marcados na alma. Penso tudo isso agora antes de dormir. E com a certeza de que não devo esperar mais por nada, só por um outro dia. Nem melhor nem pior.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Travesseiro

Entre as tarefas domésticas requer
fazer a cama, pendurar a roupa. E
deitar. E, antes do sono, a consciência
de que não se esqueceu de nada;
nem mesmo de uma rima sequer.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Pelo menos o cara foi sincero

Depois de dizer seu nome completo e de todo discurso da humildade, que era trabalhador mas desempregado, que a mãe tava doente, que tava catando latinha, morava na Mangueira e tudo mais, emendou:

- Falta 4 pra comprar uma maconha de dez.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Simplesmente

Sou o avesso do desavesso,
por isso sei quase tudo
daquilo que desconheço.

sábado, 11 de agosto de 2018

A  Maria Angélica

Substantia

    − Silêncio, por favor!

    Gritou o professor já num desespero total. Mas de nada adiantava. Já atrás dois alunos brincavam ou brigavam em pé com golpes. Do lado direito pra esquerda cruzou um supersônico feito de papel no ar. A retaliação, da direita, era uma artilharia de Tomahowks  de bolinha de papel, o coitado do faxineiro limpava depois. Em outro canto, garotas sentadas nas mesas tiravam selfies, se arrumavam com cabelos e batons cada qual no seu estilo e diziam péra aí. Tudo isso ritmado por batuques de funk e MCs no meio da sala de aula. Era essa a funesta vida do professor Arinaldo.

    Arinaldo, então, voltava-se para o quadro e fingia não escutar, não se aborrecer mais. Vou lançar a matéria e isso basta!- remoia. E escrevia  escrevia. Por vezes o fingimento era sincero como pedra autêntica. E o valor era tanto, que se esterilizava numa aula surda e muda. Pra dentro. Na solidão de suas palavras desenhava no quadro. No diálogo concebível só entre eles dois. Num monólogo. Num tudo com sem, apagava um trecho que acabara de escrever. Assim fica melhor, pensava. Não, assim. Resolvia desresolvendo uma, duas, três, quatro vezes...  até achar a melhor colocação do termo. Uma exatidão inexata, que dilui, que tenta o fracasso. (Ih... a lá... o professor não sabe escrever). Foi esse parêntesis de deboche, crudelíssimo – para cismar antigamente, careta – foi esse parêntesis sem conclusão, enfático, decisivo! Que o fez esquecer todas as regras gramaticais, ortográficas, de sintaxe e estilo. Que troca dois esses por cecidilha e xis por ge e por zê, friccionando fricativas num só zunido de abelha e ouvido. Que o fez arranhar o giz no quadro com o mesmo barulho que se arranha um prego de vidro num espelho de metal. Rispidamente. Até trincá-lo. Até pendurar a palavra, feri-la num estampido seco e amargo como se ela batesse na agulha de um revólver, como ela fosse chicotear a batida de asas de um pombo assustado, num beco sem saída, sem céu onde pudesse descansar sem ninguém falar mal. E observar de lá de cima como são apressados os homens aqui em baixo, afoitos, como são afoitos. Como são crianças.

   Mas de todos os barulhos ensurdecedores, de todos os barulhos já embaralhados, números e naipes aleatórios, compactados, misturados, entrelaçados como dedos que se contorcem, como dedos que não são hábeis com as cartas,  mas que, por isso, se misturam mais ainda e mais e mais e enrolam o fiapo da barba, de tanto arranhar e esfolam, e alisam, afastam chumaços de cabelos como um pente, como um garfo ou um tridente, boquiaberto e banguela. Velho e tenebroso. Cansado.

   De todos  um se destacou. Foi um assobio. Alto e estridente. E o professor se assustou tanto que rabiscou o quadro. E imediatamente todo seu texto apagou-se, todo seu monólogo com as palavras se esvaiu. Caiu em si. Olhou pra turma e energicamente disse:

   − Quem foi?!

   E como a turma não lhe desse atenção, berrou:

   − Quero saber quem foi?!

   Todos se silenciaram. Ele virou pro quadro e continuou a escrever. Novamente veio o assovio, que agora soava como uma sirene de ambulância, ia e vinha, ia e vinha, ia e vinha grave e agudo, alto e baixo, do lado esquerdo e direito, direito e esquerdo. Antes fosse um canto de seriema, mas era um som manicomial, ensurdecedor. Virou pra turma de novo. E pairou o silêncio novamente. Quem foi!? Quem foi?! E todos riam. Riam pra dentro. Riam com as mãos na boca, como se comessem o riso, como se o riso paralisasse numa maquiagem cristalizada, interrompida, fotografada num sarcasmo malévolo.

   O professor virou pro quadro então de novo, mas dessa vez pronto para rapidamente voltar seu rosto pra turma.  Pro bando de palhaços! − resmungava entre os dentes. Pronto para pegar no bote, num assalto inesperado, fulminante.

   − Agora eu vi! – e apontou para o Paulinho Vilela..
   − Eu, professor?... O que que eu fiz?...
   − Não se faça de desentendido. É você que está assoviando – e arregalou os olhos, que pareciam saltar.
   − Eu não fiz nada. Foi ele!   e apontou para um colega, que logo apontou pra outro que por sua vez apontou pra outro e outro e mais outro.

   Não foi à toa que o professor acusou Paulinho. Paulinho já havia colado chicletes no cabelo de uma garota, já havia posto uma mochila de um colega no ventilador, já havia levantado a saia de uma professora e fora pego vendo mulheres nuas no celular. Não, não fora à toa.  E vinha sua mãe dizer que seu filho não fazia nada disso, que era um bom filho.

   − Eu sei, minha senhora, é que...
   − Não. O senhor não sabe.
   − Mas ele...
   − Ele é um ótimo rapaz. Você é que não sabe ensinar direito. Acha que eu não sei o dia que você trocou “s” por “z”, o dia que você soltou um palavrão, o dia que você...
   − Eu sei minha senhora... quer dizer... esses lapsos....
   − O senhor estudou, por acaso?!
   − Estudei, claro. E na...
   − Não parece!
   − Eu tenho até...
   − Tem é falta de educação, como pode?
   − Até, até Mestrado. E isso é muito...
   − É muita cara de pau sua.
   − É... muito difícil...
   − Difícil é ter que deixar meu menino  aqui contigo. Presta atenção, hein?!
   − Eu...
   − Sim. O senhor. Se não vou denunciar você ao Ministério da Educação. Entendeu?!
   − Eu sei, eu sei.

   O professor bufou. E seria muita redundância, seria um pleonasmo, ou qualquer palavras dessas que se queira inventar a essa altura do campeonato, porque bufar é bufar e nada mais. Encheu-se como um sapo no brejo, um sapo acuado, com medo, bufar era a única defesa, resposta, solução. Bufou diante de outros sapos, diante de vários sapos que engolia e  enchiam suas papas, pronto para estourar. Ela tem que vir só, única, sincera, sem adjetivos que tirem sua gravidade, seu peso, seu estado de ser plena e arrebatadora. A palavra bufar já diz tudo quando não se tem mais nada para dizer. Quando só o silêncio incendeia, queima por dentro, se abandona, com lábios tremulejantes, numa oração sem sentido e pra si. Que não é mais ódio: é piedade e resignação. É abandonar-se a uma entidade superior, mágica, porque nada mais pode ser feito, como uma senhora que, diante da chama de uma vela e num silêncio místico, pedisse a cura inexorável de uma doença, de um câncer. Com os lábios ininteligíveis, as mãos crispadas, e veias que se contorcessem nas angulosidades do tempo.

   Foi então que Paulinho Vilela sussurrou no ouvido do colega ao lado, que por sua vez sussurrou para o outro ao lado, que sussurrou ao outro e outro  e assim por diante. Até que, em  sussurros, todos da turma ficaram sabendo e selaram um pacto, uma disputa. Pairou o silêncio. Um silêncio abissal, sem fim. Sem nenhuma palavra, sem nenhum riso pra fora, só se podia pra dentro, só se podia engoli-lo, silenciosamente. Era um silêncio branco como as paredes, atravessava-a e ia parar no  Himalaia, entre o infinito do céu e a neve. Um pacto de silêncio. Quem falasse perdia o jogo. Ali, só o silêncio tinha respeito agora, só ele ditava as ordens,  imperava, pronunciava, sussurrava. E os pequenos barulhos ficaram gigantes. Um arrastar do pé no chão, um roer da cadeira, um toque da caneta na mesa, um estalar dos ossos, um zunido que se deparou com a vidraça. Os pequenos barulhos, os pequenos rangidos: o roçar, o estalar, o bater os dentes, o piscar de olhos faziam sua grande sinfonia, ditavam o ritmo sob a vista atenta de Paulinho Vilela. Quem quebrasse esse protocolo estava fora da brincadeira. Desclassificado.

   No início o professor, que não desconfiava da aleivosia, gostou. Enfim eles me escutaram! Suspirou,  agora bem mais leve. Inspirou o ar no pulmão e soltou-o pela boca vagarosamente, e pode escutar esse leve gesto, de alívio e esperança. Escutou-o plenamente como se estivesse auscultando seu próprio pulmão.  O ar penetrou e saiu como sai o ar de um balão de borracha que esticamos seu bocal medindo o agudo de seu barulho. Fora isso, era o giz no quadro nesse momento que pontuava, arredondava um a apoiado numa perninha, fazia meia lua num c, molhava um lh delicioso, cortava um t e pontuava novamente. As idéias  fluíam... fluíam... revoavam como andorinhas no final da tarde sob uma brisa leve e refrescante. E o traçado no quadro ditava a conexão do pensamento, a conjunção da lógica, da gramática bem torneada, num estilo impecável e belo.

   O traçado do giz no quadro ditava o pensamento e o pensamento ditava o traçado do giz. Mas agora o silêncio disputava com o pensamento e só era pontuado pelo riscar do giz e o seu tracejar, rabiscando as linhas da lógica, da razão. Mas o silêncio era infinito e oco. Ecoava como uma sirene surda, hospitalar, de álcool e éter. Sim, o professor começava a estranhar aquela mudez toda, aquela mudez exterior, aquela mudez ausente. E achou estar surdo. Achou estar longe dali, numa ilha feita de areia e deserta, feita de vento e neblina. Achou não estar ali e em lugar nenhum. Achou não estar no seu corpo e ter evolado-se pelo ar. Achou não estar em si. Sentia falta. Sentia falta de algum som que o acolhesse. Que não fosse só as vozes vindas da profundeza de seu ser. Onde estão os alunos? Onde estão os risos, os cantos, as gargalhadas? Sentia falta. Mas falta de quê? Deixa assim que está bom. Deixa como está! E se irritava com o silêncio. Sentia falta. O que foram feito deles? Do batuque na mesa, das queixas inúmeras, do fulano me bateu, do pegaram minha caneta, dos posso ir ao banheiro, da mochila voadora, da caneta rabiscada na mesa, do assoviar. Do assoviar!!! Mas agora ele não tinha que descobrir quem assoviava. Não tinha com quem reclamar, não tinha com quem chamar a atenção para exercer sua superioridade. Era, pelo ao contrário, era submisso àquilo tudo, àquela loucura de silêncio e mistério, de solidão com as palavras que orbitavam dentro de si, num solilóquio íntimo e confuso.

   Voltou-se então para a turma e perguntou:

   − Então quem tem alguma coisa para dizer.

   E como todos permanecessem quietos, insistiu:

   − Ninguém quer falar nada. Tá vendo aqui – apontando o quadro –, substantivo é isso aqui, é aquilo que nomeia o ser, tudo que existe tem um nome, seja primitivo ou derivado, seja simples ou composto, seja próprio ou comum, seja concreto ou abstrato.

   Ficou um tempo olhando para o nada, talvez para a aresta da construção, e num rompante como um raio que ilumina as trevas declara:

   − Substantia, substantia!...  Sub, estare. Estar por baixo, entenderam?...  Entenderam!? Alguém diz alguma coisa, por favor!

   E, ao ver que a turma não se manifestava mas trazia um sorriso escondido sob as mãos, arrematou já se contorcendo,  já quase virando os olhinhos:

   − Substantivo é nome que nomeia tudo que existe, o ser, a existência e a não existência das coisas, mas que existem, porque dizer que algo não é já é afirmar a existência do não ser. E o substantivo que também é um substantivo faz tudo isso. O substantivo também tem direito de ser algo, tem direito de ter, no mínimo, dignidade. Entenderam, ou não?  Então vou explicar de uma vez:  substantivo é a coisa que dá coisa às coisas. O substantivo é uma COISA!!!

   Recuou para trás, afrouxou a gola da camisa de botão e listrada, buscou ar pela garganta, botou as mãos no rosto puxando a flacidez de suas bochechas que beiravam os 50 anos, se jogou na cadeira que, com seu peso,  se inclinou para trás, ficando apenas com os dois pés, num equilíbrio milagroso e quase trágico, atirou seu tronco e cabeça sobre a mesa. E tudo rodou. Era como se tudo fosse uma ciranda e ele no centro. A turma toda dava as mãos e giravam em torno dele e cantavam e riam e gozavam e saltitavam. Então percebeu que aquele silêncio todo não existia, nunca existiu. Mas o que não existe tem que existir: é uma substantia. E esse termo se afastava aos poucos sendo sobreposto por gargalhadas, muitas vozes, todas as vozes do mundo... E tudo ficou calmo de novo, silenciou narcoticamente, como uma luz vermelha embaçada que vai se apagando até se extinguir.


   Acordou com o Paulinho Vilela fazendo-o aspirar algo forte e úmido num pano. Ia dar um grito, mas se resignou. Em seguida veio o diretor do colégio

   Depois do acontecido, ficou de licença médica durante algum tempo, mas não voltou mais. Conseguiu uma aposentadoria por invalidez. Se sentia bem melhor agora! Arranjou uma atividade para passar o tempo. Pescaria, adorava  pescaria e, quando o dia era bom no mar, reunia seus amigos e fazia um bom jantar.

   Só tinha a obrigação de ter que ir periodicamente ao psiquiatra. Havia pouco mais de dez anos já se tratava com o mesmo. Mas um dia, ao ligar para marcar a consulta, a secretária disse que seu psiquiatra havia morrido - infarto fulminante, uma pena! - e fora substituído por outro de inteira confiança.

   − Muito bom por sinal. Posso agendar pro senhor dentro de uma semana?
   − Claro, tudo bem. Confio em você.

   Passada uma semana, tomou um banho demorado, colocou o melhor perfume, calça jeans, tênis e uma camisa pólo listrada. Tudo isso para apresentar uma boa aparência e pegarem leve no clamante. Da Tijuca chegou de metro em Copacabana na hora prevista. Enquanto subia o elevador do prédio comercial, dizia algumas amenidades para quebrar a apatia desse ambiente tão formal. Cumprimentou a jovem secretária com um belo sorriso, pensando como a juventude é bela e que também já foi belo e teve bonitas garotas. Deu-lhe ainda uma caixa de bombom, ao menos para cortejar sua amizade. Ela, por sua vez, disse que ele estava muito bem e que era só esperar um instante que o doutor ia atender.

   Não demorou mais que quinze minutos e ela falou que podia entrar. Arinaldo ajeitou a camisa e com segurança se encaminhou à porta. Quando abriu a porta demorou um pouco para que tudo se clareasse. Mas aos poucos tudo era muito óbvio e  nítido. Sentiu um calafrio. Era verdade. O gesto, a fisionomia, com sardinhas no rosto, magro, nariz arrebitado, cabelos ruivos, e  principalmente a voz sarcástica o cumprimentando  (− Como vai, professor?), não desmentia. O doutor era Paulo Vilela, o Paulinho.

   Arinaldo tentou balbuciar alguma coisa. Talvez um substantivo próprio. Que entalou na garganta. Deu meia-volta e foi embora com as mão sobre a cabeça já calva e abaixada. Os passos eram inseguros mas determinados e rápidos. Seguiu pela orla, no calçadão, meio sem rumo. E depois do susto, ria, dava gargalhadas sozinho. Tão intensas que as pessoas que passavam estranhavam. E até hoje não se sabe se esse riso era de satisfação, perplexidade ou loucura.


quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Noite de chuva: frio, silêncio e paz


Por que o tempo não se congela hoje
nessa noite de chuva distraída
no telhado, por entre o vão da calha,
abrindo finos poros pelo chão?

Por que o tempo não se congela hoje,
nesse dizer claro mas invisível
que, pingo por pingo de vão destino,
se contradiz mesmo assim de si mesmo?

Porque não se congela hoje, Chuva,
se tudo aqui é tão bom como está?
O frio vagaroso e sussurrado
de sílabas íntimas e molhadas.

Se essa chuva não pode congelar,
guardo-a no momento da memória.
E amanheço já em outra história
- de pétalas azuis rodeadas de sol.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

A Alessandro Gemino

Amizade

Na primeira vez eu liguei dizendo que tinha perdido a chave de casa e perguntei se podia dormir aí.

Na segunda, tinha sido assaltado e que tava ferrado, e se me empresta uma grana.

Na terceira nāo tinha mais ninguém e liguei pro cara perguntando se podia me dar um conselho.

Pedi muitas coisas ainda.  E também ofereci algumas que, por falta de testemunhas, o silêncio  explica melhor. No final das contas era um cara bom. Achava que ele sempre fora meu amigo.

Até que um dia liguei pra ele, só por ligar, pra perguntar como anda a vida. E ele me atendeu da seguinte maneira:

- O que foi dessa vez?!

E eu respondi que tinha saudade.

quinta-feira, 21 de junho de 2018


Bilhete na geladeira


  Pelo que se ouvia falar, a mulher de Ariovaldo nāo era a maior causa de sua excitaçāo, tanto é que adiava a chegada em casa, no final de expediente num cartório público, perambulando pela cidade do Rio. Adiando. De sua mulher nāo vamos falar. Desnecessário.  Nāo porque é uma mulher que fica no seu canto. Mas porque é um canto que fica sem mulher, pois que, já sabendo de seus atrasos, ela, Florentina, o prevenia, vez por outra, num bilhete de geladeira, assim discreto: Fui ver como está o trabalho da açāo social na Igreja. Beijos.

  Não sei se é por que ela deixara de dizer "te amo" é que a excitaçāo de Ariovaldo era maior pelos livros. O fato é que ia de um canto ao outro, percorria sebos pelo centro da cidade. Olhava tudo que se vendia pelas ruas, pelas calçadas: Carioca, Sete de Setembro, Ouvidor, Cinelândia, rua dos Inválidos, desde as livrarias mais tradicionais até o que se vendia pelo chāo, na Glória, no Catete, Largo do Machado. Tudo. Avaliava, pechinchava, lia prefácios e prefácios. Às vezes parava para um café e cigarro.  Pensando se era esse ou aquele. Qual compraria?  Os dois! - decidia-se num estalo pecuniário, culto, inteligente. A excitaçāo. Quando levava uma obra rara por descuido do vendedor o prazer era imenso. Um orgasmo só!

  Ariovaldo e Florentina eram casados há  mais ou menos trinta anos. Conheceram-se na faculdade de Direito.  Fala-se que, quando se conheceram, ele disse a ela que tinha contado todas estrelas do céu mas faltavam duas que estavam no coraçāo  e ela disse que estavam nos seus olhos. E assim começaram a namorar, casaram-se. Os filhos nāo vieram. Mas tudo bem. Havia o tempo que embalava um sonho esquecido de si.

  Iam-se como estrelas ainda, mas distantes. Anos-luz. Iam-se. Ele pela obra perfeita. Ela pela carestia. Iam-se. Ele na pretensão de ler cegamente, ela na pretensão de falar como muda. Ele tentava ler e ela tentava dizer.

  Sempre quando chegava em casa, abarrotado de livros que empilhava, nāo mais pelo quarto, mas pela sala,  pela antessala, pelo corredor, indo pra cozinha, pra área, varanda, banheiro e  eticéteras do sem fim.  Livros de exigências estupendas de conhecimento, sabedoria e humanidade. Sim, dava tempo, aos poucos ia ler tudo, é claro. Mas na verdade o que lia quando chegava em casa, estafado, cheio de peso e de tempo curto, era o bilhete de sua mulher: "Fui ver como está o trabalho da açāo social na Igreja. Beijos". E relia: "Fui ver como está o trabalho da açāo social na Igreja. Beijos". Às vezes só lia o substantivo "trabalho". Afinal, trabalhara tanto! dois apartamentos comprados, ora ora... Às vezes, o que se destacava era a locuçāo "açāo social", e folheava um compêndio de Fourier sem fazer nada. Olhava para os volumes de O Capital, de Karl Max, esperando que as folhas dos livros se levantassem numa açāo revolucionária. Mas tinha que ler primeiro! - pensava. Teve um dia que, num susto só, percebeu o verbo "Fui", no manuscrito dela. E foi em gramáticas e dicionários para ver do que se tratava tal anomalia verbal. Mas descobriu, como quem se desfaz de um susto ao sair de um pesadelo, a palavra "beijos". Porém, o significado de "Igreja" continuava um mistério, só que aqui nāo de fé,  mas de ceticismo e incertezas.

  Às vezes, caro leitor, nāo basta uma palavra para encurtar o tempo. Pelo contrário, uma palavra pode alongá-lo, pode ser aquela estrela distante, mas tão perto quando queremos achá-la. Ou a encotramos por acaso, num susto.

  De modo que Ariovaldo ficou uma semana sem comprar livros. Andava pela cidade impaciente e falando sozinho. Mas é certo! - exclamava consigo mesmo - que nāo precisava mais de livros. Nem de tantas palavras. Percebeu que aquele bilhete da geladeira era sempre o mesmo, nunca saíra de lá. A mesma caneta, a mesma caligrafia, as mesmas frases. Eram muitas: Fui ver como está o trabalho social na Igreja. Beijos.

  Excitado, foi entāo que Ariovaldo, num dia, se desfez de todos seus livros em casa quando ela havia saído. Para fazer uma surpresa, para dar um beijo como nunca tinha dado antes. - Quando ela voltar!... -  e animou-se eufórico e ansioso como nos primeiros tempos de namoro. Mas nesse dia ela demorou mais do que o costume, demorou uma eternidade.

  Impaciente, leu com mais atençāo o papel pendurado entre o imã e a geladeira: "Acho que custa entender quando tudo se perdeu, né? Adeus, Florentina". Achou se tratar de outro bilhete, mas era o mesmo, de anos.


terça-feira, 12 de junho de 2018

Engole essa

   Sentei pra comer meu cachorro quente de dois reais com quatro livros na mão.
   - Você vai ler esses livros todos?
   - Vou.
   O jovem vendedor coçou a cabeça e disse meio indignado e surpreendido:
   - Tudo isso? - ainda ficou um pra quê, mas nāo teve coragem de concluir.
   - Tudo isso - e como assumisse uma culpa que nāo tinha disse: - Sou professor.
   - De quê?
   - Português.
   - Vixe! Tinha uma professora no colégio ruim pra caramba.
   - É...
   - Era uma velha. Nóis tacava a cadeira nela e ela dava suspensāo de três... quatro dias.
   - Tinha que reclamar com a diretora - ponderei.
   O cara se coçou de novo, beliscou algum pensamento no ar - como quem corta um piolho entre o polegar e a unha - e saiu a emenda:
   - Nóis tocava o terror -  e riu achando graça do que dissera.

   Ia falar de outro professor, porém, nesse momento, passou um mendigo pedindo dinheiro. Mas deixei-lhe a outra metade do cachorro dizendo "engole essa" e fui embora, caminhando junto com a humanidade.

Ivo de Souza

terça-feira, 17 de abril de 2018

Novelo


O desenrolar
                         do novelo
                                            desbravou mares
             até se deitar
                                     com o horizonte
e dormir
                                     em paz
onde a terra
                        encontra
                                           o ar

quinta-feira, 8 de março de 2018

Quem banca?

À certa hora da noite abafada, um carro de vidro escuro encosta. - Vai lá, é ele. Um jovem desce com a pistola destravada, se encaminha com uma coragem bamba até o cara. E dá, não só um, mas uma rajada de tiros. (Ele era bom nisso, talvez fosse a única coisa de que se orgulhasse na vida.)

Mas dois ou três segundos depois, uma outra rajada, vinda de um lugar próximo, responde à mesma altura. E o jovem, cujas pernas tortas de nascença nessa altura já se confundiam com seu cambalear agonizante, cai em frente ao carro do seu comparsa, que imediatamente passa em fuga por cima do seu corpo, ainda meio vivo, e dobra a esquina num arrancar de pneus, deixando pra trás um silêncio frio e agudo. Clínico.

Na manhã seguinte lavaram a rua, dizendo que isso é um absurdo, parceiro! E mais absurdo ainda é o absurdo dessa criminalidade, desses políticos, desses ladrões, dessas pessoas! Foi justamente aí que a indignação cessou. Justamente aí quando alguém perguntou se ia chover hoje.

- Acho que não, vi ontem no jornal - respondeu imediatamente um otimista com um sorriso suado, daqueles que tentam se convencer da agilidade e esperteza de ter respostas tão prontas (mesmo que sejam simples), tão na ponta da língua.

Aliás, é mesmo. Foi mais um dia quente. Um calor de rachar. Mas, apesar da irritação e incômodo, quase todos chegaram em casa bem. Os que podiam ligaram o ar-condicionado. Os que não tinham deitaram-se com os pés descobretos bem perto ventilador. E muitos outros ficaram ao relento, no chão ou num canto da laje fria. E todos se conformaram.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Conselho de amiga

Outro dia, faz um tempo já, Joseiltom foi lá em casa de novo. Já tinha dito para não aparecer mais. E que queria ficar sozinha. Só recebi ele porque ele disse que tava desesperado, que me amava. Escuta isso pra você não ser leviana.
Nessa época o pai de Joseíltom, dono de uma grande empresa de fraldas, e de outras coisas que Joseiltom me explicava, disse que queria vê-lo casado com uma mulher bonita e inteligente.
Aí Joseíltom me disse que ia me apresentar sua família. Disse que não era a hora. Mas ele insistiu dizendo pra não ter vergonha, que eles iam ficar felizes por saber que estava comigo. Eu e ele fomos. Mas aconteceu que nesse dia que Joseíltom ficou muito num canto, num orgulho só, enquanto o pai dele dizia com olhinhos pequenos e vivos: minha filha, cuida bem dele. E dizendo isso acaraciou minhas costas, num gesto suave e tenro, de que ia se retirar. Eu percebo as coisas, amiga.
Depois desse aval do pai de Joseiltom, nossa vida melhorou, achava por convicção. Joseiltom comprava vinhos, quitutes, escutava Tente outra vez de Raul, e saía, dizia que ia voltar. E assim ficava horas roendo as unhas, esperando o desgraçado. Mas quase ia me esquecendo que era num sofá daqueles que você puxa para esticar as pernas e ver tv, novinha, e
que demora a se acostumar, de tão grande que ficam as pessoas.
Mas, como me sentia muito sozinha, teve um dia que liguei pro pai de Joseiltom, Dr. José.
Ele me disse pra não me preocupar, que o filho dele estava no caminho certo comigo, que eu era uma pessoa legal e bonita. Apesar das palavras curtas, não havia tom de preocupação. Aí comecei a enteder que esse pessoal endinheirado não se preocupa muito. De qualquer forma, claro, achei bem convincente e honesto o seu José. E apostei mais ainda no Joseiltom, que realmente não me deixou faltar nada. Aliás, pensei, Chivas, queijos, roupas sem comemoração, um jantar muito apressado de talheres finos não é pra qualquer um. Até um cachorrinho ele me deu, quando muito reclamava da solidão. Batizei-o de Bob, foi o primeiro nome que encontrei. Um dia já muito chateada dancei Madona em frente ao espelho. Eu sou bonita! Mas a vida não é fácil. Nesse dia quase abandonei o Bob, mas tive pena... Paciência! É tudo, amiga, uma questão de paciência, se você roer suas unhas, peça o reparo no dia seguinte com uma manicure que te dê conselhos. Se for bem paga, levanta o astral. Se não for, prega macumba.
Tomei a decisão outro dia qualquer, quando já não tinha mais unhas de novo e nem aguentava mais a manicure fofoqueira, e já não havia mais dedos que contassem a espera das estropelias de Joseiltom. Aí liguei.
Oi.
Sabe o que é...
Hum.
É que...
Diga, pode dizer...
É que o seu filho... Ele...
O Joseiltom...
É. Ele não...
Tá. Vem aqui. Conhece o Pobre Don Juan, na Barra?
Acho que sim.
Eu também fico muito preocupado com ele. A gente conversa um pouco e depois vemos.
Fui pro guarda-roupas, não sabia o que botar. Mas acabei decidindo, depois de algum tempo, aquela que Joseiltom me dera, no reveillom passado. Que me deu para ficar satisfeita e sumiu, filha da puta!
Peguei um táxi. O taxista era um cara muito legal, bonito e sedutor. Poderia ser muito educadado também, até tentar umas gracinhas com sua mão na minha coxa. Achou que tava dando mole pra ele. Amiga, a gente não pode nem desabafar com homem que eles acham que você tá dando mole. Dei um safanão nele, com tanta força, que o carro ziguezagueou na Niemeyer e disse quem era, que ele precisava usar fraldas Santanas. Acho que ele entendeu e não disse mais nada. O medo era tanto que nem olhava mais para minhas pernas. Amiga, tenho pernas bonitas e sei bem usá-las. Saber bem usar uma parte do seu corpo é expô-la protegendo-a. Faça o mesmo com seus peitos. Cadê aquele seu vestido?
Seu José me recebeu com toda gentileza. Disse que seu filho era assim mesmo, era coisa de adolescente , faz parte, e abriu um vinho. Quando a gente conversa com um cara desses, a gente fica mais segura, mas a gente sabe também que não é assim não. Como pode o pai do filho que tô pegando fazer tudo isso? Como pode? Vir eu aqui reclamar satisfação e... Acha que sou boba? Que sou idiota? Eu amo, entendeu?! - quase disse isso pra ele.
Mas acho que não tive tempo. Bebi muito, amiga.
Seu José pediu para que não abandonasse o filho dele, que faria tudo por mim. Como vou negar um favor desses. Não pude negar, amiga. Já era da família. Quando se é da família tem que manter as responsabilidades.
Mas eu não tive culpa de nada. Fiz cuidar. Quando Joseiltom aparecia, fazia tudo por ele, era consideração e respeito, sei lá, ficava horas acariciando seu pau que parecia uma verruga necrosada, mas mesmo assim o amava de verdade, me lembro até de um cafuné de horas, e sabia que, se não fosse o pai dele, ia ficar triste também. Foi aí que eu comecei a entender o que é noção de família, pelo menos a dos homens.
É aí que eu acho, amiga, que você tem que ser forte nessas horas com esse rapaz que você está - um garotão, não é? - e amar bastante. Só assim que temos o devido respeito da família. A vida não é nada mole. Enfim, todo mundo... até o Dr. José ficou muito abatido. E é nesse momento crucial que precisamos de pessoas sinceras, e vemos quem são nossos amigos, quem está junto e te ama de verdade.
No dia que o encontrei, ele me levou num ap em frente ao mar e chorou com a cabeca no meu colo, dizendo que fizesse tudo por meu filho, e que a mãe não podia saber de nada, "câncer terminal". Alisei-o. Ele reagiu positivamente. De repente não era mais choro nem carência. Era uma felicidade mútua que só as vagas das ondas na Barra da Tijuca podem dizer, no final de tudo.
Fui fiel ao Joseiltom e ao seu pai. Promessa é promessa. A gente faz o que pode. Digo isso porque teve um dia que Joseíltom não voltou. Fiquei preocupada mas não liguei pro seu pai. Achei que era só mais uma vez. Mas aí a polícia me ligou, que tinha achado esse telefone, se eu era, desculpe, se eu era a esposa dele. Disse que sim.
Joseíltom morreu numa favela, tava no lugar errado e na hora errada. O enterro foi no cemitério São João Batista. O velório foi com caixão fechado. Ele se fudeu. Que merda. Não é bom nem comentar.
Nesse dia dei as condolências à mãe dele, uma senhora muito elegante, mesmo com fios de borracha enfiados por todo seu corpo, Márcia o nome.
Nós dois choramos juntos. Ela mais do que eu. Mas também disse boas palavras: que seu filho era muito bom e honesto. Tinha outras coisas (espirituais até), mas a emoção me ficou pelos soluços das gargantas. Chorei bastante por alguma coisa que ficou por dizer, talvez alguma palavra a mais, nessas horas de comoção... sei lá. A gente chora de verdade, chorar é o sentimento mais respeitoso e honesto que se pode ter.
Por isso que eu te digo não largue esse homem, amiga. É de família. E segure a onda nos piores momentos. Tem futuro.
E seja sincera. O lá de cima vê tudo.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

(UM ESTAMPIDO!)

Assustada
            uma jovem negra
                                         olha pra trás.
Sentada no chão,
                    uma criança chora
                                           aos prantos!
porque estourou
                        seu balão.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Diagnóstico

Aí vou ta explicar como são as coisas. Minha mãe tá com uma infecção urinária que nenhum antibiótico de uso externo (comprimido) faz mais efeito e a médica diz que ela deve se internar durante uma semana para que seja administrado um antibiótico específico pelo soro. E diz também para beber bastante água durante o dia, mas evitar depois das nove para que ela não urine na cama, já que isso agrava sua infecção pois a vagina fica intumescida de bactérias num momento em que se potencializam. Aí eu digo pra ela que amanhã vou levá-la para o hospital para, durante uma semana, fazer o tratamento. Aí ela bate o pé e diz que Jesus vai curar. Aí fico no quarto pensando que vou fazer e resolvo ir pra sala para insistir que se interne e vejo que ela está vendo o pastor RR Soares na tv (isso já quase nove, sei que o programa vai de nove às nove e meia). Aí reparo que ela preparou um copo d'água em cima de um pires que está no mesmo móvel da tv (já vi essa cena). Aí brigo, digo pra evitar água antes de dormir e que o pastor era um impostor e que precisa ir ao hospital. Aí ela começa a se sacudir toda dizendo que eu queria que ela morresse logo e que Jesus, só Jesus salva! Saio de casa batendo a porta. Desço no elevador. Passo pela caixa de correspondência. Por força do hábito abro-a. Nada pra mim mas havia uma para minha mãe. "Igreja da Graça de Deus". O próprio envelope aberto era um boleto bancário pronto pra ser preenchido. Meu Deus!!! Acho que vou procurar um psicanalista.