quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Conselho de amiga

Outro dia, faz um tempo já, Joseiltom foi lá em casa de novo. Já tinha dito para não aparecer mais. E que queria ficar sozinha. Só recebi ele porque ele disse que tava desesperado, que me amava. Escuta isso pra você não ser leviana.
Nessa época o pai de Joseíltom, dono de uma grande empresa de fraldas, e de outras coisas que Joseiltom me explicava, disse que queria vê-lo casado com uma mulher bonita e inteligente.
Aí Joseíltom me disse que ia me apresentar sua família. Disse que não era a hora. Mas ele insistiu dizendo pra não ter vergonha, que eles iam ficar felizes por saber que estava comigo. Eu e ele fomos. Mas aconteceu que nesse dia que Joseíltom ficou muito num canto, num orgulho só, enquanto o pai dele dizia com olhinhos pequenos e vivos: minha filha, cuida bem dele. E dizendo isso acaraciou minhas costas, num gesto suave e tenro, de que ia se retirar. Eu percebo as coisas, amiga.
Depois desse aval do pai de Joseiltom, nossa vida melhorou, achava por convicção. Joseiltom comprava vinhos, quitutes, escutava Tente outra vez de Raul, e saía, dizia que ia voltar. E assim ficava horas roendo as unhas, esperando o desgraçado. Mas quase ia me esquecendo que era num sofá daqueles que você puxa para esticar as pernas e ver tv, novinha, e
que demora a se acostumar, de tão grande que ficam as pessoas.
Mas, como me sentia muito sozinha, teve um dia que liguei pro pai de Joseiltom, Dr. José.
Ele me disse pra não me preocupar, que o filho dele estava no caminho certo comigo, que eu era uma pessoa legal e bonita. Apesar das palavras curtas, não havia tom de preocupação. Aí comecei a enteder que esse pessoal endinheirado não se preocupa muito. De qualquer forma, claro, achei bem convincente e honesto o seu José. E apostei mais ainda no Joseiltom, que realmente não me deixou faltar nada. Aliás, pensei, Chivas, queijos, roupas sem comemoração, um jantar muito apressado de talheres finos não é pra qualquer um. Até um cachorrinho ele me deu, quando muito reclamava da solidão. Batizei-o de Bob, foi o primeiro nome que encontrei. Um dia já muito chateada dancei Madona em frente ao espelho. Eu sou bonita! Mas a vida não é fácil. Nesse dia quase abandonei o Bob, mas tive pena... Paciência! É tudo, amiga, uma questão de paciência, se você roer suas unhas, peça o reparo no dia seguinte com uma manicure que te dê conselhos. Se for bem paga, levanta o astral. Se não for, prega macumba.
Tomei a decisão outro dia qualquer, quando já não tinha mais unhas de novo e nem aguentava mais a manicure fofoqueira, e já não havia mais dedos que contassem a espera das estropelias de Joseiltom. Aí liguei.
Oi.
Sabe o que é...
Hum.
É que...
Diga, pode dizer...
É que o seu filho... Ele...
O Joseiltom...
É. Ele não...
Tá. Vem aqui. Conhece o Pobre Don Juan, na Barra?
Acho que sim.
Eu também fico muito preocupado com ele. A gente conversa um pouco e depois vemos.
Fui pro guarda-roupas, não sabia o que botar. Mas acabei decidindo, depois de algum tempo, aquela que Joseiltom me dera, no reveillom passado. Que me deu para ficar satisfeita e sumiu, filha da puta!
Peguei um táxi. O taxista era um cara muito legal, bonito e sedutor. Poderia ser muito educadado também, até tentar umas gracinhas com sua mão na minha coxa. Achou que tava dando mole pra ele. Amiga, a gente não pode nem desabafar com homem que eles acham que você tá dando mole. Dei um safanão nele, com tanta força, que o carro ziguezagueou na Niemeyer e disse quem era, que ele precisava usar fraldas Santanas. Acho que ele entendeu e não disse mais nada. O medo era tanto que nem olhava mais para minhas pernas. Amiga, tenho pernas bonitas e sei bem usá-las. Saber bem usar uma parte do seu corpo é expô-la protegendo-a. Faça o mesmo com seus peitos. Cadê aquele seu vestido?
Seu José me recebeu com toda gentileza. Disse que seu filho era assim mesmo, era coisa de adolescente , faz parte, e abriu um vinho. Quando a gente conversa com um cara desses, a gente fica mais segura, mas a gente sabe também que não é assim não. Como pode o pai do filho que tô pegando fazer tudo isso? Como pode? Vir eu aqui reclamar satisfação e... Acha que sou boba? Que sou idiota? Eu amo, entendeu?! - quase disse isso pra ele.
Mas acho que não tive tempo. Bebi muito, amiga.
Seu José pediu para que não abandonasse o filho dele, que faria tudo por mim. Como vou negar um favor desses. Não pude negar, amiga. Já era da família. Quando se é da família tem que manter as responsabilidades.
Mas eu não tive culpa de nada. Fiz cuidar. Quando Joseiltom aparecia, fazia tudo por ele, era consideração e respeito, sei lá, ficava horas acariciando seu pau que parecia uma verruga necrosada, mas mesmo assim o amava de verdade, me lembro até de um cafuné de horas, e sabia que, se não fosse o pai dele, ia ficar triste também. Foi aí que eu comecei a entender o que é noção de família, pelo menos a dos homens.
É aí que eu acho, amiga, que você tem que ser forte nessas horas com esse rapaz que você está - um garotão, não é? - e amar bastante. Só assim que temos o devido respeito da família. A vida não é nada mole. Enfim, todo mundo... até o Dr. José ficou muito abatido. E é nesse momento crucial que precisamos de pessoas sinceras, e vemos quem são nossos amigos, quem está junto e te ama de verdade.
No dia que o encontrei, ele me levou num ap em frente ao mar e chorou com a cabeca no meu colo, dizendo que fizesse tudo por meu filho, e que a mãe não podia saber de nada, "câncer terminal". Alisei-o. Ele reagiu positivamente. De repente não era mais choro nem carência. Era uma felicidade mútua que só as vagas das ondas na Barra da Tijuca podem dizer, no final de tudo.
Fui fiel ao Joseiltom e ao seu pai. Promessa é promessa. A gente faz o que pode. Digo isso porque teve um dia que Joseíltom não voltou. Fiquei preocupada mas não liguei pro seu pai. Achei que era só mais uma vez. Mas aí a polícia me ligou, que tinha achado esse telefone, se eu era, desculpe, se eu era a esposa dele. Disse que sim.
Joseíltom morreu numa favela, tava no lugar errado e na hora errada. O enterro foi no cemitério São João Batista. O velório foi com caixão fechado. Ele se fudeu. Que merda. Não é bom nem comentar.
Nesse dia dei as condolências à mãe dele, uma senhora muito elegante, mesmo com fios de borracha enfiados por todo seu corpo, Márcia o nome.
Nós dois choramos juntos. Ela mais do que eu. Mas também disse boas palavras: que seu filho era muito bom e honesto. Tinha outras coisas (espirituais até), mas a emoção me ficou pelos soluços das gargantas. Chorei bastante por alguma coisa que ficou por dizer, talvez alguma palavra a mais, nessas horas de comoção... sei lá. A gente chora de verdade, chorar é o sentimento mais respeitoso e honesto que se pode ter.
Por isso que eu te digo não largue esse homem, amiga. É de família. E segure a onda nos piores momentos. Tem futuro.
E seja sincera. O lá de cima vê tudo.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

(UM ESTAMPIDO!)

Assustada
            uma jovem negra
                                         olha pra trás.
Sentada no chão,
                    uma criança chora
                                           aos prantos!
porque estourou
                        seu balão.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Diagnóstico

Aí vou ta explicar como são as coisas. Minha mãe tá com uma infecção urinária que nenhum antibiótico de uso externo (comprimido) faz mais efeito e a médica diz que ela deve se internar durante uma semana para que seja administrado um antibiótico específico pelo soro. E diz também para beber bastante água durante o dia, mas evitar depois das nove para que ela não urine na cama, já que isso agrava sua infecção pois a vagina fica intumescida de bactérias num momento em que se potencializam. Aí eu digo pra ela que amanhã vou levá-la para o hospital para, durante uma semana, fazer o tratamento. Aí ela bate o pé e diz que Jesus vai curar. Aí fico no quarto pensando que vou fazer e resolvo ir pra sala para insistir que se interne e vejo que ela está vendo o pastor RR Soares na tv (isso já quase nove, sei que o programa vai de nove às nove e meia). Aí reparo que ela preparou um copo d'água em cima de um pires que está no mesmo móvel da tv (já vi essa cena). Aí brigo, digo pra evitar água antes de dormir e que o pastor era um impostor e que precisa ir ao hospital. Aí ela começa a se sacudir toda dizendo que eu queria que ela morresse logo e que Jesus, só Jesus salva! Saio de casa batendo a porta. Desço no elevador. Passo pela caixa de correspondência. Por força do hábito abro-a. Nada pra mim mas havia uma para minha mãe. "Igreja da Graça de Deus". O próprio envelope aberto era um boleto bancário pronto pra ser preenchido. Meu Deus!!! Acho que vou procurar um psicanalista.