sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Melão no escuro


Como ponto de luz adormecido no breu,
como vaga-lume iludindo-nos em seu rumo,
ou um excesso de luz que se instala no escuro,
uma fruta há. Sim, lembrança que não se perdeu.

Ou - quem sabe? - ela se esqueça de se lembrar
- devido... ao nosso devir da vida, fugaz
elixir; logo nos preenche se liquefaz -
que cristalizada no útero semente ainda há.

Há, porém, a doce lembrança que não se esquece
do silencioso melão servido no escuro;
sim, quieto e molhado melão, quase que mudo...

Quase um mundo que aparece e desvanesce.
Só dormem as cores, a um passo de despertar
e bailarem no mundo e deixarem-se vagar.

Um comentário:

Alcina Morais disse...

O elemento principal deste soneto do poeta Ivo de Souza é o seu próprio título – Melão no escuro. Ele já avisa do que vai tratar: da escuridão - onde a luz não está presente, onde falta claridade para se poder ver o que pode acontecer.
Comecemos pela fruta. Seu feitio é redondo, a casca é dura, impermeável, dificultando qualquer entrada.
A contração – no – (preposição ‘em’ + artigo ‘o’) traz o significado ‘dentro de’, ‘no interior de’. Ambos, a textura do melão e o vocábulo ‘no’, nos dificultam a aproximação para ver o que está dentro.

No próprio poema, nos dois primeiros versos, indicam as circunstâncias em que a fruta se encontra.
No terceiro verso, ainda que haja luz, há o excesso que impede a visão. Mas, também, neste excesso ou transbordamento, quer dizer que algo não foi esquecido, ficou apenas em algum plano.
Como escreveu o poeta, a própria fruta não nos lembra ou nos informa de que continua existindo - ela se esqueceu... e bem por causa do “devir da vida fugaz”, esse fluxo permanente e ininterrupto que “nos preenche”, mas também se desfaz.
Contudo ela está no útero “cristalizada” e não ao sabor do devenir. Sólida e consistente, mas permanecendo no escuro, quieta, pois não quer ser vista ou percebida, “sim....quase que muda”, em um mundo que aparece e desaparece.
Somente as cores se permitem ser vistas. São leves e se deixam flutuar.