sábado, 18 de abril de 2020


A Pedro Menezes

Os ósculos

Agora tenho esses óculos pra ver
de mais perto todas coisas que não via.
Sim, óculos de senhor, e de respeito.
Para olhar aquilo que não se lê ainda.

Vi, por exemplo, outro dia, na página
de um livro de gramática, uma formiga
perdida e só na brancura das palavras.
Aí entendi a gramática das formigas.

Pois, se perder no mundo das formigas,
e não poucas felizmente se perdem,
é ato infinitamente mais gigantesco
do que a mínima palavra de ordem.

A geografia das cores no mapa-mundi,
dentro de esquadros tão bem regulados,
ficou nítida quando as lentes viram
diluídos líquidos nas cores das mãos

das crianças. Que pintam sinceros clichês
de mães "sensatas" nos varais das escolas
de papéis. Cores que vazam pelas saias
das ruas e ao limite azul-mar de paetês.

Ajeitando as lentes, mais de perto vi a pedra,
e que a pedra dava alimento, água e ar
a um delicado veludo azul e verde
e que o azul-verde a protegia com manto.

Como um manto sobre um velho febril,
como um manto que veste toda dor
de um homem de bigodes sérios num bar,
manto que veste a pedra de água e terra.

Levantei-os para captar o melhor detalhe
da geometria da erva no cego concreto
armado de calibres letais. Mas que:
nem tão metais nem durões invencíveis.

Na verdade, o que se erguia ali era terra
sobreposta à terra sobreposta. Até o céu,
perfurando a paz estoica e leve das nuvens...
Mas de farpa, a erva-nó-arame virou flor.

Vi gigante árvore e nomeei-a de Gigante
por não ter outro que cabia melhor.
Mas, nos tendões de seus pés, vi capim.
E perto, aquele pequeno era mais gigante

que a Gigante que já não cabia em mim.
Aos pés do capim vi minúsculo mosquito.
Mas o minúsculo ia de dentro pra fora.
E crescia mais que o capim e a Gigante.

Foi assim que, com meus já velhos óculos,
vi, aos pés bem pequeninos do mosquito,
um imenso silêncio que existe e não se vê,
que nos cega por excesso ou falta de sol.

Tirei os óculos. Vi-me no seu refletir.

2 comentários:

Simone disse...

Amigo você sempre nos salva com suas incríveis reflexões este conto poema nós fala de enxergar é o que precisamos em tempo de pandemia obrigada

Edmilson Borret disse...

Muito bom!!!!