sábado, 20 de junho de 2020

A consulta


Saio de casa.
As paredes
bem verdes.
Os tijolos
inóspitos.
As vozes
dos garfos
amassados
por dentaduras
vorazes
nos pratos
já vazios.
Absurdamente
insatisfeitos!
Com fome
não se sabe
de quê
de quem
por quê.
No noticiário
um crime e
mais um time
de futebol
campeão.
Um ladrão
injustiçado
e pobre.
O pop star
pedófilo
- notícia do dia.
E o sofismo
oco e inócuo
do respeitável
político.

Saio de casa.
O grito
estridente
do vizinho.
As ordens.
As queixas.
As contas
a pagar.
A sujeira
da casa
dos móveis
do vidro
da janela
do quarto
do armário
do ladrilho
do colchão
da louça
na cozinha.
- Quem vai
lavá-la, irmão?!

Saio de casa.
Sem rumo
Sem rosto
Sem posto
Sem ter onde
nem saliva
pra cuspir.
Sigo por ali
e por aqui,
e acabo
num campo
aberto com
uns arbustos
e gramado.
Caio no céu
e grito ao
infinitíssimo
das estrelas:
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI...!!!!

Talvez uma ou outra ave
estranharam o incidente.
Um pequeno agito se fez
de asas e galhos e pios
como se, em sussurro,
concluíssem numa só voz:
Acalme-se,  bom rapaz.
Depois da fagulha breve,
se segue a eterna a paz.

E o que dizem as estrelas?...
A estrelas, meu caro amigo,
nada dizem. Não há comoção.
São apenas charutos nos dedos
do fundo escuro do consultório.

Volto para casa.
E a casa já dorme.
Todos estão bem.
(Amanhã é quarta,
e terei mais sorte.)
Boa noite e amém.

Um comentário:

Simone disse...

Caramba quanta dor e descrença num poema só amigo e poeta viver doi