quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Pedido de oração


Com trejeito feminino mas, ao contrário do que se pensa, sem os traços da vulgaridade, o jovem com rímel, lápis na sobrancelha, cabelos longos, tingidos de loiro e escorridos numa curva chanel até a nuca entrou no púlpito (ou palco) da igreja evangélica no momento em que o Pastor convoca os fiéis para pedido de oração. E, levantando as mãos com seu terno marrom, de três botões, um tanto desgastado e curto, disse radiante:

- Glória Deus! Aleluia! Já vejo que Jesus tocou seu coração! E Ele já me cantou... Quer se libertar, né irmão?
- Quero.
- Senhor, meu Deus! Liberta esse homem! Aleluia! Diga Aleluia.
- Aleluia!
- Diga: creio em Deus todo Poderoso!
- Eu creio em Deus todo Poderoso!
- Diga: eu quero me libertar!
- Eu quero me libertar!
- Diga: eu quero me libertar do homossexualismo, eu quero a cura gay!
- Mas Pastor...
- Vamos lá, irmão! Só Jesus salva!!!
- Pastor... É que...
- Força, irmão. Deus é maior. Vamos, aceita Jesus no seu coração. E repita comigo: EU ACEITO E QUERO ME LIBERTAR!
- Ai Pastor! Quero isso não, homem de Deus... O que quero mesmo é uma oração para curar minhas hemorróidas... E me liberar para sair com meus bofes!

Pego de surpresa, a única e última arma do Pastor era sentenciar num grito que fez saltar as veias:

- Sai desse corpo, Demônio! Em nome de Jesus!

E, discretamente, gesticulou com os dedos para os obreiros - verdadeiros armários gigantes e da fé - que o levaram para os bastidores, longe das câmeras e de olhares curiosos. Mas não sem gemidos de ui ui do vaidoso jovem, cujo propósito no templo é, na mesma medida que uma verdade exterior se vale de uma mentira implícita, até hoje questionado por muitos. O que torna, salvo o grotesco embuste, a diligência - sem preceitos morais - entre a verdade e o ceticismo tarefa dificílima.

De qualquer modo, leitores, somos obrigados, infelizmente, a parar por aqui... Pois quem viu e conta esta história se abstém de qualquer julgamento se eram gemidos de dor ou satisfação.

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