ROLETA-RUSSA OU O LIVRO DE AUTOAJUDA
1.
A vida não é resolvida.
A vida se resolve todos os dias.
Pegue um revólver,
gire o tambor,
dê uma despedida ao seu amor
e tente a sorte.
A vida não é resolvida.
A vida se resolve todos os dias.
Pegue o que te envolve,
segure com calor,
dê uma alegria ao seu amor
e sinta-se mais forte.
A vida não é revolvida.
A vida te envolve todos os dias.
Como te envolve a morte.
Segure-a com pavor,
dê uma poesia à sua dor,
cujos versos você escolhe.
A vida não é envolvida.
A vida se desenvolve todos os dias.
Como se dissolve a sorte.
Atente-a no tambor,
dê um suspiro ao seu amor
e engatilhe-a forte.
A vida não se resolve
A vida é resolvida todos os dias.
Pegue o revólver,
dê um despedida à sua dor
e atente a sorte.
2.
De tambor é feita a vida.
De vida é feito o revólver.
De revólver é feita a sorte.
De sorte gira a morte.
Mas a morte não só gira,
a morte resolve a vida.
A vida que se resolve morte.
A morte que explode e não gira.
A morte que explode e gera vida.
O esperma que explode e gera morte.
A morte que espera numa agulha.
A unha que arranha uma ruga.
A ruga que tem sorte de ser ruga.
Tem sorte de ser ruga e não ser morte.
A morte é que não tem sorte de ser sorte,
nem unha nem ruga,
mas terra que se revolve.
Pra terra que se revolve
tem norte a vida.
Pra terra que te envolve
tem vida a morte.
Tem vida a ruga
que se encaminha para morte,
mas tem sorte a unha
que demora a se resolver morte.
Da morte gira a sorte.
Da sorte é feito o revólver.
Do revólver é feita a vida.
Da vida é feito o tambor.
3.
O tambor que gira gira
mas cala.
O tambor que fala fala
mas para.
O tambor que é do cão
e é do chão.
O tambor que não ladra
mas é ladrão.
O tambor que é só dele só
e do cão.
O tambor que é só dele só
no coração.
O tambor que é só dele só
e se marca.
O tambor que é só deleite
mas de bala.
O tambor que exprime
o que não se fala.
O tambor que é minuto, espera.
E é explosão.
O tambor que é amor
e esperma.
O amor que é tambor
(e especulação?).
4.
Não especule sobre a bala e a agulha.
Rasa, mas que fundo cava,
vai como larva que vasculha,
fura. A ruga como que encravada.
Como unha encravada cava a bala.
Cava o corpo em todo o seu ser
que expira e quase delata
o que seria a vida se não fosse morrer.
Mas o corpo é como bala, fechado.
Se não, não seria corpo nem bala.
Seria algo: o quase, inacabado.
Igual ao sim e não quando se cala.
Mas se fala, é porque existe bala.
A bala que acaba o começado.
A bala que abre o que se cala
e cala o que foi passado.
5.
O passado arde em seu corpo,
tiro.
O passado que se rasga no corpo,
fala.
Grita. O grito da última.
Terá sorte? Será o último do jogo?
Lúdico, o brinquedo roda,
roda numa ciranda,
de mão em mão, roda
de canção em canção, roda,
roda a roda gigante,
como também roda o peão, roda,
cada qual na sua exata hora, roda,
o mundo o relógio o segundo, roda,
roda roda. O mundo roda.
Para.
Num jogo de cadeiras,
roda a bala.
Sempre de mãos dadas, imperfeita fileira,
serena e trêmula vai
rodando pelos que
conquistam e querem, apostam e vivem, sonham e
adormecem...
Como dorme o segundo no relógio
e a terra na vastidão.
Mas vá. Tente a sorte que te atenta.
Atente-a. Pegue o revólver, cante mais uma canção,
e não se descubra só,
naquela pequena hora,
na hora curta, lenta
que, longa, se estende no chão.
6.
A hora do chão. O ser-bem-vindo ao chão.
Do chão nascem balas e outros metais.
O chão é frio, arde.
O chão é posse, iniquidade.
O chão é rio, infinidade.
O chão é só e você
sem mais, sem chão.
Mas é baque e também revolve.
É tambor, é revolver, é bala.
Sem chão, o chão te envolve.
O que era bala passa a ser chão.
O que era você não passa. A não ser no chão
que é bala e é ossos,
que é duro mas se resolve,
que é mar muito profundo,
que é fluido e como bala, resvala
na vala
no virar da sorte
e do revólver-mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário