quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Lembranças de nascer


Foi poeta - sonhou - e amou na vida
                         Álvares de Azevedo


Que ponham minha cama ao ar livre
na grama, onde as árvores possam cuidar de mim.
E a brisa ninar o sonho que ainda não sonhei
nesse dia em que meus finos cílios
secam, como as nuvens, seus orvalhos
no fluido e macio azul do céu.

Que ponham minha cama onde um dia...
eu possa lembrar-me de ver
o sussurro do ar peneirando as folhas mais maduras,
aquelas que têm a singeleza de fazer mudos estalos;
igual aos passos que caminham pela aléia, surdos.

A minha cama deverá ter lençóis brancos,
limpos, de uma assepsia indiferente.
Tal como estas palavras sem tédio, indiferente
como o amor de seu maior inimigo.
Ter tédio, meu amigo, é algo. E o consueto autista...
só e sem pranto?

Que essa etérea cama
traga a tenra lembrança
da amizade que iremos selar.
E que ela seja justa e sincera,
mesmo nas entrelinhas
inter-calantes dos nossos sentimentos.

Que nessa cama, estéril de lembrança
sinta, no meu rosto, parir o beijo
da minha mãe - rica mãe
meiga, convidando-me para o mundo.

Que essa cama, matéria vazia e pura
se lembre de não se esquecer
do beijo - não da virgem
- do amor, que ainda não conheceu.

Ainda não trago uma só saudade
destas sombras do vale e noites da montanha.
Que elas deixem, enfim
como o beija-flor do meio-dia,
iluminar-me o sol a cama.

2 comentários:

sissa disse...

lindo amigo e poeta!!
maravilhoso
bjoooo

Catarina Cunha disse...

Fazia muito tempo que eu não chorava. Este poema desconstruiu meus degraus. Verte, verte, verte mais!