domingo, 3 de janeiro de 2021

 

O dentro e o fora: o tempo

 

 

No dia 20 de outubro

ela parou de marcar seu calendário.

 

Parou como o azul

para na gaivota.

 

Parou como o monte

para na névoa.

 

Parou como o oceano

para na geleira.

 

Parou como o infinito

para no instante.

 

O ano? – agora não importa mais.

Se era manhã ou tarde, não importa.

Se era frio ou calor, não importa.

Se desatino ou dor, não importa.

Se cristã era, não se sabe: tanto faz.

 

Foi no dia 20, mês de outubro,

bem atrás da porta, no armário

cujas roupas de lã, luto e veludo

(ou de alguma rima da infância)

que ela se fechou na lembrança

bem juntinha ao seu calendário.

 

Talvez percebesse que, daí em diante, todos os dias seriam dia 20 de outubro.

Ou de qualquer outro mês.

 

Como todas moscas nas mesmas xícaras de café ao amanhecer

como todo vento em folhas secas é silêncio de chuva e saudade

como todo morder de maçã é como pá que escava e fere a terra

como todo mato é afiadíssimo como facas apontadas para o céu

e todo céu é escudo de chumbo antes da tempestade chegar

e ainda toda impotência das buzinas na av. Presidente Vargas (teria trabalhado lá?)

                                                                              [ao sol da tarde, a mesma de séculos

e os séculos os mesmos a cada gesto intolerante e inafiançável

                                                                                         [do homem na natureza.

                                                                                           

 Foi assim que no dia 20 de outubro

ela parou de marcar seu calendário.

 

Mas no dia 21...

Bem... esse dia...

Esse um não existia mais.