quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra”, Paulo Freire


Os livros e a parede


Com celular numa das mãos e no meio de uma obra, seu Jorge, 39 anos, 4a série incompleta (ou melhor, por completar junto com o reboco de seu barraco), pedreiro de profissão - e olha que diziam ser bom nisso - coçava a cabeça com um metro e tentava explicar. Mas...

- Pois então, seu Jorge. Na parede. Tá muito feio, entende?

- Sei. Mas é que...

- Tenho uma certa pressa. Tá tudo mofado. Infiltração, entende?

- Sei... É que agora...

- Meu filho tá com asma, minha mãe tá com renite. E minha esposa não para de reclamar, entende?

- Sei... Como eu ia dizendo....

- É bem atrás da estante. E tem livros. Muitos livros. Alguns raros até. É bem atrás deles. Uma mancha enorme... E preciso dos livros inteiros. Tenho que terminar meu doutorado, entende?

- Sei. Mas...

- E ando meio sem dinheiro, seu Jorge. Mas tenho que resolver isso urgentemente. Acho que vem do banheiro, do cano do banheiro. É uma mancha que caberia duas pessoas, entende?

- Sei. Olha...

- Então, seu Jorge. Você sabe como resolver isso e por quanto vai ficar?

- Sei... É o que eu tava tentando te dizer... 

- Então diga logo, seu Jorge, diga... Por quanto, bem baratinho, por favor... Por quanto sai?...

- Aí... dr. Arnaldo... não sei...

- Como não sabe?!

- É que eu tenho que ir aí estudar.

4 comentários:

Simone disse...

Adorei altamente filosofico e engraçado super singelo e bom de ler seu conto

Araciaba disse...

Muito bom.

Araciaba disse...

Perfeito o encaixe da frase de Paulo Freire.

Aloysio Neves disse...

A poesia do cotidiano...