sábado, 21 de agosto de 2021

O dentro e o fora: o território

                         A Leonardo Canabrava


Você diz ter viajado à Europa,
ter conhecido o Louvre,
mas mal a Monalisa lhe sorri
veio-lhe a vontade (que galopa!)
de fazer um belo e nobre xixi.

Já eu fiquei por aqui.
Desenhando musas sob lençóis,
colhendo flores das toalhas
sobre as mesas. E das marcas
do tempo, um penico bem já diz.

Já no metrô alemão indaga-se
o que faz, qual pátria o traz ali.
- Pois não. Latino de todos lares,
manhãs de todos os destinos.
Do Rio, persigo o mar sem fim.

Mas eu fiquei por aqui.
Fiz do teto a areia das horas,
relógio cego ao sol do Saara.
Das paredes, largas escarpas,
fóssil, mármore, memória.
Do ventilador, córregos, exílio
que renova e faz o que sou.
Das vozes quietas, livros-pilastras
aos vastos sótãos sem véus,
ou aos calabouços do metrô.

Diz que Nova York beijou a Rússia,
que sexo e carícia não tem país
nem língua, raça ou mesmo raiz.
Que de Kremilin aos pés da Liberdade
flertou com a ruiva cor que invade.

Já eu... bem... fiquei por aqui.
Beijei a piteira do cigarro,
fiz do fio esguio da fumaça
a sereia dinamarquesa.
E como Prometeu Acorrentado
roubo o fogo à humana proeza.

*     *     *

Os territórios são nascentes
de cristal. Brotam de ossos,
da vaidade são rios só nossos
e tocam o ar, ilimitadamente.

Um comentário:

Simone disse...

Coisa mais linda esse poema amei e que beleza grande amigo e poeta cada dia melhor viva!!