quarta-feira, 12 de novembro de 2008

João Guimarães Rosa e o conto A hora e a verdade Augusto Matraga


O Autor

Nascido em Minas Gerais em 1908 e falecido em 1967, João Guimarães Rosa será um dos percussores da litertarua regionalista que se inicia em 1945. Era médico e diplomata, mas foi na literatura que ele se consagrou como um dos melhores escritores que o Brasil já presenciou. Sua obra, além de revolucionar a linguagem , é marcada por questões metafísicas, ou seja, questiona freqüentemente a existência ou não de Deus. As obras escritas são: Grande Sertão: veredas (1956); Sagarana (1946), Primeiras estórias (1962), Tutaméia (1967), Estas estórias (1969), Corpo de Baile (1956) e, postumamente, Ave, palavra (1970).

A hora e a vez de Augusto Matraga

Em carta publicada no prefácio do livro de contos Sagarana, Guimarães Rosa vai revelar a João Condé sobre seu último conto: “História mais séria, de certo modo síntese e chave de todas as outras, não falarei sobre o seu conteúdo. Quanto à forma, representa para mim vitória íntima, pois desde o começo do livro, o seu estilo era o que eu procurava descobrir.”
E, além de descobrir, Guimarães implementará esse achado nos seus livros posteriores, proporcionando um êxito peculiar na literatura brasileira. Mas o qual é a sua forma? Que estilo próprio é esse?
Primeiramente, vamos falar da história e assim poderemos responder qual o estilo e, posteriormente, o conteúdo do conto. A história fala de Augusto Esteves, descendente de uma família que está em declínio político e financeiro no interior de Minas. Augusto, também chamado de Matraga, descobre por intermédio de seu capanga, Quim Recadeiro, que sua mulher e filha fugiram com Ovídio. Augusto, então, chama seus comparsas para recupera-las, mas aí vem a segunda decepção, pois eles se rebelaram com Augusto, devido à falta de pagamento, e passaram a servir O Major Consilva. O protagonista procura então o Major para recuperar seus capangas, mas é espancado e, para evitar a morte, joga-se num barranco. Acreditaram que ele tinha morrido, mas sobrevive e um casal de pretos cuida dele. A partir de então Augusto, que era mulherengo e violento, ao receber conselhos de um padre, resolve sair da vida promíscua e bandida e ruma com o casal de pretos – o qual apadrinhou – para um lugar mais sossegado e levar uma vida digna, ou seja, trabalhar, parar de beber, fumar e, por fim, esquecer a vingança que teria com as pessoas que lhe fizeram mal. Entretanto, ao passar um tempo nessa vida tranqüila, ele recebe visita de uns jagunços - entre eles o líder Joãozinho Bem-Bem - que o estimulam a voltar para a vida anterior. Mas isso não se dá imediatamente, os jagunços vão embora e, com o decorrer do tempo, essas idéias vão se amadurecendo na cabeça de Augusto. Até que certo dia se despede de todos e vai em busca dos jagunços. Acha-os numa cidade onde todos estavam apavorados, pois eles queriam vingar a morte de um de seu grupo. Mas Augusto intervem dizendo que não era justo matar outros por causa de vingança. Então, há um duelo final entre Augusto e Joãozinho Bem-Bem e ambos morrem. Essa é a narrativa e ela segue esta mesma ordem linear em discurso livre indireto. Mas o que mais surpreende é a sintaxe e os léxicos utilizados por Guimarães. Talvez esteja aí a forma citada por Guimarães. Os assíndetismos costuram o texto e conferem um ritmo veloz à sua narrativa. Orações curtas e repetitivas conferem vigor às suas frases. Por outro lado, utiliza-se de palavras inovadoras (composições como: “nomopadrofilhospritossantamêin”) ou arcaísmos de linguagem. Essa tendência de Guimarães se manterá até os seus últimos livros pois o manejo com que ele cria as palavras é que faz com que seu texto vire arte. E a arte é uma linguagem que foge do convencionalismo, foge do que já foi instaurado pelo comum. É o estranhamento que faz com que a literatura de Guimarães seja criadora e instauradora de novos valores. Seu texto é poético, porque se prende na mensagem, ou seja, valoriza-a intensamente, pois como nos diz Franklin Oliveira : “Tem o verdadeiro artista,como dever fundamental, fundar uma nova ordem de valores. É com a fundação dessa ordem que a arte literária enriquece a língua (...)”. E Por isso, continua ele, “o artista sente, com imperatividade inelutável, a necessidade de estar constantemente elaborando novas falas, novos tipos de comunicação, ‘dialetos’que, pela sua inusitada carga expressiva, vençam a carapaça da língua de uso social e cheguem ao leitor com a força de um impacto”.
Paradoxalmente, é através da linguagem moderna (assemelhando-se a Joyce) que Guimarães Rosa vai escavar o mundo rústico e medieval do interior de Minas. Mundo onde Augusto Matraga encara as tenções medievais entre religiosidade e paganismo, como se vê nessa passagem, onde o personagem começa a voltar para o cangaço: “Nem pensou mais em morte, nem em ir para o céu (...). Bastava-lhe rezar e agüentar firme, com diabo ali perto, subjugado e apanhado de rijo, que era um prazer”. Assim, a tensão entre o bem e o mal é constante na obra de Guimarães. Mais ainda: o bem e o mal não conseguem ter uma definição clara, pois, se lembrarmos, Augusto Matraga, ao voltar para o cangaço, voltou fazendo o bem que era matar, mas matar por uma causa que julgava nobre. Afinal, qual causa que é nobre? Essas questões atormentariam também Riobaldo, personagem de O Grande Sertão: veredas. Nesse sentido podemos confirmar em Guimarães que o certo e o errado, o bem ou o mal atormentam seus personagens.
Além disso, a descrição do ambiente também ajuda na composição do personagem, pois quando Augusto Matraga começa a quationar-se se realmente seria aquele homem simples e pacato a natureza se funde em seus pensamentos. Ele passa a observa-la mais e a vida ao redor fica mais intensa: “E mais maitacas. E outra vez as maracanãs fanhosas. E não se acabavam mais”.
Enfim, Guimarães Rosa revela um mundo onde ele consegue com a linguagem - arcaica ou inventada - instaurar um mundo de ficção onde o moderno e medieval, o bem e o mal, o mítico e o real, o épico e o lírico se imbricam constantemente, pois como nos diz Alfredo Bosi: “as suas estórias são fábulas, mythoi que velam e revelam uma visão global da existência, próxima de um materialismo religioso, porque panteísta (...)”. E tudo isso já é notado em A hora e a vez de Augusto Matraga.

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